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Já deste lucro hoje?

Homem, mulher, pessoas, já hoje depositaram o quinhão na cremalheira do patrão? Chegastes a hora, à hora providencial, àquela em que o patrão ainda se rebola com restos de viaga nos lençóis de algodão, que mesmo assim lhe fazem escaras? Picastes o ponto na maquineta que agora até sabe de cor a tua bela carinha? Já fostes beber o café da máquina que está quase a um euro? Ora, muito bem.

Ide sentar ao computador, à máquina da costura, à rebarbadora, ao ferro de engomar e vai, para a frente e para trás, para trás e mais atrás. Tudo para trás, que esta vida é às arrecuas, pois não é verdade. Os teus novecentos euros não chegam porque não estudaste. Não estudaste porque não havia dinheiro em casa e lá foste tu dar corda a outro patrão que, a esta hora, ainda se revolve com o esqueleto e o que lhe resta de viagra, no caixão de mogno com o Senhor de braços abertos e espichado, o esqueleto ainda com os anéis de família, uma fortuna que para ali vai – mas foste tu, com esse suor que ainda te faz rio, das fontes ao queixo, que os pagou, aos anéis.

Sabes? Se tivesses ido a estudar e fosses uma bela advogada, um bom médico, um grande arquitecto, a esta hora também estarias com a mesma angústia – do dinheiro, de não teres filhos, de não teres plantado a árvore nem escrito o livro. Isto, esta coisa onde a gente vive, está feito para nos deixar tristes e cansados mal o despertador berra. A gente encosta o trrrim à hora mais tardia que pode, corre sem comer para o emprego, faz jornadas de 10, 15 horas e, sejam 900 ou 9000 euros, tudo à volta é um deserto. Claro que nove mil são melhor. Mas garanto-te que quem saca os nove mil já deixou amigos e família para trás, porque o grande objectivo passa a ser os dez mil, o carro da empresa, aquele de marca branca que anda a pilhas, chegas a casa e é o mesmo cansaço.

Diferente, pois. Num dos frigoríficos há restos, fígado e febras. Noutro há quem traga a comida a casa. E depois? Depois estão ambos a ver um televisor que debita coisas “leves”, para que nenhum se ponha a pensar que o mundo não é assim tão mau. Depois temos mais de metade da população deprimida e é cá a Lusitânia que mais comprimido para dormir toma, mais um para a ansiedade e outro para a maldita depressão. Há quanto tempo não acabas um livro? Anos, verdade. Tu até gostavas de ler, mas a gasolina e o papel estão mais caros que o leite. Tu até gostavas de ler mas chegado do tribunal e do hospital privado só te apetece cama e silêncio, até que no outro dia lá começa a infernal aflição do tempo, das horas, do carro, do autocarro, do metro, da mota, do acidente, dos bombeiros, dos berros da bola, da nega ao convite para o jantar da escola onde pensas: «não vou porque estou gordo» ou «não tenho dinheiro para esse restaurante», ou apenas «não quero, deixem-me sozinho. Deixem-me em paz, porra».

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Isto anda tudo desenhado para que a culpa seja tua. Sejas lá tu quem fores. Deve ter havido gajos e gajas a pensar nisto tudo desde o neolítico superior. A raça é fraca, a carne apodrece e a tua mais-valia, essa, acabará sempre num tesouro de um pirata que naufragou com o peso do suor e do teu cansaço. Nem a meio do mar ia. Ia numa alta vaga da Bolsa ou a Vida…

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Joao Vasco Almeida
Joao Vasco Almeida
Jornalista, autor, (pré-agricultor).

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