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Há fogo, há fogo, na careca do portuga

Para comemorar os 50 anos do 25 de Abril vários grupos de jovens têm-se reunido um pouco por toda a orla de Lisboa a festejar com apedrejamentos à polícia, incêndios em autocarros, montras partidas, pessoas esfaqueadas, caixotes de lixo atulhados em chamas e, provavelmente, mais umas manifestações de aleluias ao fim da ditadura

A estes jovens, agora chamados bandos marginais e criminosos, pois que o são, ainda não se desvenda na totalidade o objectivo da festança democrática. Será a castanhada e o S. Martinho? Será o 25 de Novembro, que daqui nada se comemora? Ou, outrossim, uma razão tão velha e tão válida que nem sequer nos aproveita os olhos, para neles adentro entrar?

A coisa é fácil: quando nos idos de 1980 as câmaras e o Estado decidiram acabar com as barracas e o bairros de lata na grande Lisboa, abriu-se um negócio bestial chamado “realojamento” em “habitações sociais”. De sociais, nada tinham. O bairro do Camboja, não interessa onde ficava, foi trasladado para umas torres mínimas à entrada da cidade. Conclusão: se antes as famílias tinham terrenos para os burros e algum gado no centro da cidade, o burro ia parar agora à banheira do T3 no sétimo andar. O PAN, se existisse, havia de ter gostado.

E o Casal Ventoso, perigoso centro comercial da droga em Lisboa, mudou-se para uns prédios que pareciam ter sido desenhados pelo Eng.º Sócrates, à beira da vistosa avenida de Ceuta, mesmo em frente aos estúdios da TSF.

Julgam que houve cuidado em saber quem eram os traficantes, os ladrões, os malditos, as famílias, os normais, os operários, os estudantes? Nada, zero. Tudo ao molho e fé em deus, mais aquelas ridículas cerimónias de entregar a primeira chave à D. Ermelinda que, coitada, ao ver-se a morar na porta da frente de um marginal que ia e vinha da prisão, de meses a meses, lá engolia a desfeita e sorria para o João Soares, sem que este quisesse saber.

O mesmo com o Casal do Pinto, arrastado uns 900 metros para uns prédios brancos no meio do nada, onde misturaram o povo da Curraleira e do Casal. Se se matavam? Era lá com “eles”. Desde que não fosse “connosco” estava tudo bem. Ciganada, pretalhada, ucranianos, brasileiros, era tudo a mesma coisa. Havia barracas no Jamor, dos timorenses fugidos? Tudo para os prédios inenarráveis do Catujal. Havia barracas no Catujal? Tudo para os prédios feitos de papel mesmo abaixo da SIC, em Carnaxide.

O país é estúpido. Não é o único, mas é muito estúpido. Em vez de estudarem decentemente os alojamentos, perceber laços familiares e de bairro, compreender quem se ia zangar com quem imediatamente, limpar as armas das barracas e enquadrar as pessoas, não. Cuspia sociólogos, antropólogos, psicólogos, urbanistas, arquitectos, com nojo, como se cospem moscas, para o chão. Para quê ter cuidados. Os autarcas até rezam para nunca mais entrar ninguém naqueles bairros.

Há fome? Pois que têm de ir para a bicha da Misericórdia ou da Junta, humilhados pelas filas ao ar livre, e sair de lá com sacos de comida. Alguns vizinhos destes, obrigados a abandonar a escola e entrar no gamanço, têm 11 anos e já sabem disparar uma .35 melhor do que o atleta turco nos jogos olímpicos.

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Da Gebalis às várias “empresas municipais” à roda de Lisboa, onde agora se dão os desacatos, nenhum polícia quis entrar nos últimos anos, com medo de emboscadas e de levar com um RPG no carro patrulha. Eu também teria medo. O Estado e, especialmente, as autarquias marimbaram-se. E há uma geração inteira na situação nem-nem: nem estuda, nem trabalha. São estes que estão fod, bem, furiosos como foram tratados por todos os outros. É que nem os call centers querem a ciganada, a pretalhada, a brasileirada, a ucranianada, a timorlestiada a trabalhar. “Só fazem porcaria”, ralham os agiotas algozes dessas empresas mal amanhadas.

Antes de ouvir a demagogia que o aVentura está a começar, proponho-lhe que leia o “Projecto Filadélfia”, dos anos 90, e a Carta de Atenas, de 1930. Estão lá as soluções todas para estes gravíssimos e assustadores problemas. Não passam pelo cassetete nem pelo fogo nos autocarros.

Encontrar alguém que saiba ler, enfim, isso é que será difícil.

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Joao Vasco Almeida
Joao Vasco Almeida
Jornalista, autor, (pré-agricultor).

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