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Montenegro I, o parvador do 112

Neste logar de Portugal chegou um trombeta ao ministro vindo da morgue, trazia um molho de dentes nas mãos; e bem recebido d’elle, o ministro assentado e elle em giolhos, disse por aquesta guisa o ministro, por taes novas:

«Muito me farta o bem de receber do teu conde esses dentes. Quaes são?», ao que o trombeta respondeu, chegando lhe com a testa ao chão: «Dos do INEM, senhor, aqueles a quem as carretas, por males dos carreteiros, se embrulharam em fios e cordéis, perdendo a ponta».

Montenegro I, o parvador, muito riu delle e dos dentes.”

Assim se encerra a crónica de D. Montenegro I, o parvador, que está depositada no Tombo da Torre, guardada virgem e inconabula.

Estudiosos conseguiram decifrar a muita dificuldade, a história deste rei esquecido, no entanto presente. E chega-se à aterradora conclusão, dizem os muitos que viram, que a crónica não está escrita, vai-se escrevendo a ela própria com o passar das horas.

Ora, o passar das horas é que é o problema.

Em Portugal, o socorro em situações urgentes é uma espécie de reality show ao vivo. Temos o 112 como o nosso “número mágico”, aquele que todos rezamos para nunca precisar de ligar – e por boas razões. Ora, numa emergência, é de supor que a resposta seja rápida. Pois bem, essa é a teoria da numerologia. Na prática, quem liga para o 112 só espera ouvir o som das sirenes… mas, na realidade, é a paciência que se transforma numa maratona, onde o relógio parece metralhar a cada segundo perdido a ouvir Phil Collins.

Entram em cena os heróis desta trama: a ministra da saúde, de rosto inabalável e promessas bem ensaiadas, e o governo, com uma abordagem artística de cortar e simplificar. “Racionalizar o orçamento” é o termo bonito para traduzir a máxima de fazer mais com menos. E quem paga? O cidadão comum, que não está lá para os cortes ou racionalizações, mas sim para ver se o médico ainda o atende antes do próximo ano fiscal. Mas paga com a vida.

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Há sempre aquela entrevista da ministra onde se fala de “melhorias em curso” e “planos robustos”. Falam-nos da famosa “reformulação do sistema”, como se cada palavra não fosse um eufemismo elaborado para esconder a realidade: a constante falta de meios, pessoal exausto e ambulâncias a caírem aos bocados. A cada declaração, quase esperamos que nos garantam que o próximo projeto é milagroso, mas a verdade é que o sistema de socorro tem avançado para trás, como quem acha que o caos é parte do charme.

No meio de tudo, o INEM – a nossa tropa de elite do socorro – faz milagres para tapar os buracos que a administração insiste em abrir. O INEM e os bombeiros de uma nova classe: nem sapadores nem voluntários. Hoje em Portugal existem os Bombeiros Obrigatórios, mulheres e homens com consciência – o tal ingrediente que falta a Montenegro I. Não há verba para novos veículos? Inventem. Faltam médicos? Improvisem. É uma criatividade lusa, forjada no desespero e elevada à condição de normalidade. E não é à toa que Portugal está tão bem treinado no improviso: vivemos na era do “adiar e esperar”. De adiamento em adiamento, de desculpa em desculpa, o socorro em situações urgentes vai-se tornando uma coisa quase mitológica. Talvez um dia, quando o sistema colapsar de vez, alguém se lembre que já deveria ter sido feito algo.

E tudo ficará escrito na Crónica deste monarca tadinho, que se ri de tudo e nos empurra para uma enorme vala comum, d’onde nenhum 112, 115 ou 911 nos irá salvar.

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Joao Vasco Almeida
Joao Vasco Almeida
Jornalista, autor, (pré-agricultor).

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