Chegados a dezembro lá estão as enguias a cantar ao som da música. Não há pachorra para a falta de imaginação e, pior, repetição, dos filmes de Natal. As enguias perseguem uma pessoa mal cai a primeira luzinha festiva, e atrás dela vem a Julie Andrews muito contente no mundo dos nazis. A película onde se canta “The hills are alive with the sound of music”, que se pode traduzir muito mal para “As enguias estão vivas ao som da música”, já não devia chamar-se “Música do Coração”, apenas “Enfarte”, porque farte dela andamos nós. por que raio temos de ver pessoas que já pereceram a correr pelos montes transalpinos, todos contentes? Onde diacho foram buscar a ideia de que o Natal, uma festa pagã ao regresso do sol, tinha a ver com criadas de dentro e agricultura biológica?
Outro que marra e não sai é aquele do puto que, para matar um ladrão que tenta entrar-lhe em casa. O garoto sai por uma janela da casa de banho, prende o chinelo numa cadeira, a cadeira faz duas piruetas e acerta no patife, que fica estatelado no chão e ainda leva com um ferro de engomar em cima. A sério, qual é, dos valores do espírito natalício, aquele que estas cenas representam. Gosto do nome do filme, “Sozinho em Casa”, que era mais ou menos como queria passar as “festas”. Contudo, o homenzinho insiste em aparecer em filmes e sequelas até que se soube a verdade: depois de tanta pirueta, acabou agarrado à droga. Pobre caspinho. Quem o manda meter-se com o Natal?
Há mais? Oh se há. Mas não apenas nos filmes (principalmente aqueles que agora dão nos canais do cabo, romances pastelosos a cheirar a azevias com seis meses), mas também na música.
O raio da música. O demónio da música.
Tirando um êxito dos anos 80 do século passado, uma melodia hard-metal chamada “O Pai Natal em Chamas”, os acordes e as charutadas são sempre as mesmas. Lá vão buscar o Frank Sinatra à cova e o rapaz e o Rat-Pack põem-se a cantar o Christmas isto, o Christmas aquilo — pior só se encomendassem aos Delfins ou aos Pestilência o hino do Natal português. Há tempos umas pessoas de bom gosto tentaram comprar os direitos de “All I Want For Christmas Is You”, cantada ao infinito pela dona de casa ‘sexy’ Mariah Carey. Houve uma campanha para recolher fundos. Dei um euro, porque a petição, mundial, pensei, ia chegar ao valor. A ideia era simples: a música kaput, nunca mais ninguém a ouvia. Mas os heróicos rapazes e raparigas falharam o alvo e lá devolveram o dinheiro à malta.
Em que mundo se pensa que, estando a escolher um novo detergente para a loiça no Lidl e um esfregão que não se desfaça em três lavagens, o que me apetece ouvir “Há neve em Nova Iorque / Há sol no meu país”. Ó Cid, tá bem, mas este detergente nãotira nada a gordura a frio e o esfregão de marca branca desfia-se mais do que uma camisola presa num prego. Canta lá coisas úteis. “Na Cabana, junto à praia, uso Lavex para me lavar”. Vês? E isto ficava bem.
Esperemos que a Popota comece a injectar Ozempic e para o ano esteja tão magra que nem apareça. E que, para assistir ao Natal dos Hospitais seja primeiro necessário ligar para o SNS24, a ver se é caso de ligar a tv ou não.
Em grande era darem de 24 para 25 de dezembro, em todos os canais, filmes do Alejandro Jodorowsky, do Buñuel, do Lynch, do Terry Guillam. Ao menos são todos sobre o Natal.