A cena passa-se num moderníssimo hospital português, acabado de construir com os fundos dos fundos daquele programa a que se chamou “a bazuca”. Lembra-se? Uma verdadeira arma contra a asneira e a favor do pugresso. Pois serve a ‘bazuca’ para mandar instalar cabines telefónicas às portas das urgências hospitalares, a ver se os degolados, os vestidos, os enfartados, os avcêzados, os grávidos, os catraios podem ou não entrar nas urgências médicas.
A ‘bazuca’ desconfia de todos os portugueses, na mão do PPD. A secretária administrativa da Saúde, Ana qualquer coisa, foi buscar uma tecnologia de ponta, um telefone fixo, para que os “piegas” e “medricas” das doenças se justifiquem, antes de dar trabalho aos pobres médicos. E faz bem. Cambada que invejosos e queixosos. Quando a D. Madalena viu a vizinha da frente entrar na ambulância, chamou um táxi e mandou seguir aquela histérica que recebe homens em casa. Ela não é mais do que eu, pensou D. Madalena, e vai de perseguir qual agente 007, ou agente 112, a galdéria.
Só que chegadas ao Hospital, a outra entrou. Ela teve que ir meter moeda no “orelhão” para se enfiar nas urgências. Levou uma bula de um medicamento e leu ao pobre coitado, do outro lado, todos os “Efeitos Secundários” do Dolviran. Tal o estado no qual a julgaram que lhe franquearam a porta, passou à triagem e recebeu pulseira vermelha – apenas e só porque a bata que trazia era do mais piroso que havia e a ‘bazuca’ também tem dinheiro contra o mau gosto. “Toma!”, pensou, “não me passou à frente, estúpida. E o meu homem não volta lá a tua casa arranjar-te a porta da cozinha”.
Se há casos em que a novidade, já tão aplaudida como a Via Verde ou o PoSat, pode confundir o utente. O caso realmente grave que relatamos a seguir foi conseguido graças a uma senhora do PBX do Hospital de Cascais, secção Maternidade. As escutas a que tivemos acesso correspondem palavra a palavra ao que estava num cartucho BASF que recebemos pelos TLP. A saber:
Meia-noite e meia. Um SUV eléctrico chinês pára em frente ao telefone vermelho. Uma senhora de saltos altos, casaco bisôm e chapéu, barriga de 40 semanas, tenta entrar nas urgências. Bate na porta de vidro.À terceira, o jovem segurança afro-africano estica o polegar e o mindinho e leva a mão à cara, apontando para a cabine. Anabela, farta, farta, segure para o telefone amarelo e responde-lhe um enfermeiro, a entrar na sua 14.ª hora de turno: «—SNS Boa Noite, 24?
— Tou? Olhe, estou pra morrer!
— Posso saber quem fala?
— Não, eu sei lá quem o senhor é. Abra lá a porta que o sensor não funciona!
— A senhora veio ao Hospital por que motivo?
— Porque estou quase mortérrima!
— Sim, mas diga-me, sente-se mal por quê?
— Oiça, tá um frio de rachar, nem sinto os dedos, se fico aqui em pé faleço. O senhor é dos pobres, de certeza.
— Minha senhora, eu só quero ajudar.
— Pois, isso disse o meu Eduardo, mas virou-se na cama e adormeceu. Ouça, ou abre a porta ou chamo já o Hospital Lusíadas!!
— Mas, a senhora de que padece?
— Olhe (grita), eu padeço um URSO com a sua conversa. O senhor importa-se de vir abrir a porta que estou… Aiiiii…. Ah, porra….. estou a chover… qué isto???
— Estou? Estou?
— Ai, estou, q’horror!!! Apareceu-me aqui um bebé no chão, que nojento, está cheio de sangue. Ó funcionário mande cá as senhoras da limpeza, que o cheiro não se aguenta!!!
— O bebé é seu?
— Meu, c’horror, mas agora eu tinha uma coisa tão feia. E está agarrado a mim com uma coisa que parecem as tripas da Tia Cândida, ouça… ai, tou tão desfalecida
— O assistente desiste e diz-lhe:
— Muito bem, dirija-se à porta que vamos abrir.
— Finalméénte!!! Que péssimos.»
A senhora continua a andar, mas o nojento feto nascituro não a larga. Vai a arrastar atrás dela, varrendo beatas, terra, palhinhas de sumo, tudo agarrado à placenta. Chegada à porta o segurança lá abre a porta e deixa Anabela entrar. Mas, descuidado, não viu o reboque e fecha a porta, cortando o cordão umbilical.
O senhor do SNS Boa Noite só ouve um grito lancinante, uma pequena frase da Ministra na televisão e, depois, uma grande salva de palmas.