Um dia, segundo me contam, o repórter competente Manuel Catarino perguntou, seco, a Marco Paulo: “Mas, afinal, é ou, não é?”. O Manuel, com quem tive o prazer e honra de trabalhar, tentava sacar a Marco Paulo a resposta mais simples: ou era, ou não era ‘gay’. Quando a pergunta foi feita, ainda era tempo destas coisas serem importantes. Estava enquadrada. Era relevante.
Anos e anos depois, o Portugal popularucho ainda tem como tabu o tema do género e da orientação sexual das pessoas. Revela um país que soçobra à Santa da Ladeira e à Santa da Azinheira. Pouco me preocupa a vida íntima das estrelas da Flama ou da Nova Gente. Mas quando essas estrelas têm, elas próprias, um preconceito tatuado no microfone que vaivém, coloca-nos um desafio. Porque raio ainda isto é assunto e, para mais, santo deus, já o Bergoglio diz não haver mal nisto, mas as estrelas pensam que ainda “parece mal”.
Se João Simão (nome real de Marco Paulo) era ou não era, não terá mudado a sua capacidade vocal nem a detestável carreira, feita de adaptações de música Pimba alemã. Marco Paulo, antes de se saber doente de padrinho de um puto pequeno, era uma piada de caracóis, a tentar lutar por um lugar ao sol. Basta ir ver a participação do rapaz no Festival da Canção, onde é a estampa de Cristiano Ronaldo, para compreender que aquele refrão “Sou tão Feliz” era forçado. Mas perdoamos tudo, menos o fim do Trio Odemira, ao que parece por razões de saúde.
Mas, permitam-me, sobre o Trio Odemira nunca ninguém se perguntou se seriam homossexuais, heterossexuais, pós-sexuais… Nem a eles, nem ao Mendes Harmónica Trio. E ai de quem levantasse essa dúvida sobre o José Cid, o Tony de Matos, o “meu” Varela, o Samuel Úria… O que confunde o povo é esta semiexposição pública com umbigos enormes, mas segredos intensos. Que mal teria acontecido a Marco Paulo ter respondido a Manuel Catarino o que era ou deixava de ser. Até podia ter mandado o repórter àquela parte, mas ficou nas encolhas, num não duvidoso. Claro que o magnífico Tal&Qual fez a melhor manchete possível, com um “Não Sou”, que apenas cheirava a “Sou Sim”. Compreende-se. Ainda não existia Filipe Sambado e o seu excelente “Deixem lá”. Ou o “Só te falta seres Mulher”, do B Fachada.
Entretanto, pereceu João Simão e, com ele, Marco Paulo. Anda para aí uma confusão com o testamento e a surpresa é um bombeiro, amigo do cantor, que leva dez porcento da fortuna. A família, pelo que se sabe, foi corrida e os “compadres” e o “afilhado” aguentam os 90 por cento restantes. Isto não nos interessa para nada. Eu sei lá a quem o Fausto deixou as coisas, ou o Pete Seeger, ou quem são os herdeiros do Bono Vox.
A questão é só o preconceito geral da sociedade que consome passadeiras vermelhas e noites de estrelas. Um bombeiro dá sinal de ser logo pecado e coisa torta. Já nem se lembram por quê. Já ninguém se lembra do enorme Guilherme de Melo. A memória colectiva é genérica e, normalmente, estúpida.
Por isso, não nos interessemos pelo bombeiro, pelo Simão e p’los disco de oiro. Amemos o sobrevivente Clemente e perguntemos apenas porque nos incomodam com estas trivialidades ursas. Mas que me expliquem o que é “uma louca na mesa, uma Lady na cama” …