Se o jornalismo fosse um teatro, muitos protagonistas nem figurantes mereceriam ser. A cena está montada: luzes sobre os vaidosos, câmaras apontadas para os medíocres e o microfone como cetro de poder para quem confunde o palco da informação com a montra do ego. No epicentro desta tragicomédia, surge a figura do jornalista de papelão — aquele que se diz guardião da verdade, mas nunca ousou sujar os sapatos nas ruas onde as histórias vivem
Passar décadas a servir o poder local não transforma ninguém num herói da imprensa.
Sem saber o que é andar em reportagens deslocando-se em aviões com vários fusos horários atravessando continentes, com tempo de espera nos aeroportos e em vários teatros, não é a mesma coisa, que sair da redação e ir ouvir à câmara o autarca local.
Não basta ter colecionado salamaleques de autarcas ou decorado as dinâmicas dos gabinetes para agora se proclamar farol do jornalismo. Quem nunca desafiou a incerteza de uma reportagem ao vivo, quem nunca sentiu o pulso da sociedade para lá das quatro paredes da redação, não pode de repente reivindicar o estatuto de especialista.
A ironia atinge o clímax quando estes pseudo-paladinos, incapazes de acompanhar a evolução do jornalismo, vociferam contra quem inova. Para eles, a criatividade é afronta, o progresso é heresia. Preferem ver a informação fossilizar-se numa prateleira empoeirada, a ter de admitir que o mundo mudou e que a audiência já não se contenta com boletins mornos e notícias recicladas.
O mais curioso é que, enquanto desdenham da modernidade, muitos desses “guardiões da tradição” não hesitam em recorrer ao texto fácil sem recolha de informação para se manterem relevantes. Porque criar exige esforço, investigar dá trabalho e pensar autonomamente é um fardo demasiado pesado para quem está acostumado a seguir o rebanho. Mas copiar disfarçadamente? Isso sim, é fácil. Uma leve adaptaçãozinha aqui, uma troca de palavras acolá, e pronto: temos uma reportagem nova em folha, fresca como uma ideia roubada.
Nos dias do confinamento, enquanto o mundo se fechava, houve quem ousasse abrir horizontes. Projetos independentes como o ORegiões nasceram da vontade de reinventar o jornalismo, de explorar formatos, de devolver a voz a quem precisa de ser ouvido. Enquanto uns choravam a modernidade, outros pegavam na câmara, no gravador, no teclado, e produziam conteúdo com as próprias mãos. Porque ser jornalista de mão cheia é saber fazer tudo: escrever, fotografar, filmar, editar e, sobretudo, pensar.
Durante demasiado tempo, fingimos que ignorar os farsantes era a estratégia mais inteligente. Mas quando os impostores começam a ditar regras e a policiar quem trabalha, a paciência desfaz-se como tinta na chuva. E então, resta lembrar que o jornalismo tem códigos, tem memória, tem honra. Não se trata de ostentar o crachá, mas de carregar a responsabilidade de informar com honestidade e rigor.
A história ensina que os tronos erguidos sobre mentiras acabam sempre por ruir. E quando isso acontecer, quando a queda dos falsos jornalistas se tornar inevitável, que ninguém tenha pena.
A César o que é de César, sim. Mas às Césares de palha, que querem reinar sobre um trono de falsidades, resta apenas o inevitável: mais cedo ou mais tarde, a queda chega. E, convenhamos, porque, no fim não há nada mais jornalístico do que relatar, com pormenor e prazer, o momento em que a verdade, teimosa e implacável, reclama o seu lugar.