Há fenómenos que transcendem a física e mergulham na metafísica do ridículo. Nos últimos dias, diz a SIC, os céus lusitanos — ou melhor, os aviões que neles teimam em voar — foram palco de uma epopeia. Cinco casos de “entrada de gases” em cabines da TAP, dizem as notícias, com tal intensidade olfactiva que obrigaram a desvios de rota. A última vítima? Um voo para Londres que nem descolou, aprisionado em solo por uma nuvem invisível de… digamos, efluentes turísticos.
Não surpreende. Portugal, que transformou a gastronomia numa forma subtil de jihad culinária, recebe hordas de estrangeiros criados à base de panados e fish and chips. Chegam aqui, engolem dois pastéis de nata ainda fumegantes — e “pimba”, como diria o povo —, horas depois, transformam-se em zeppelins humanos. A TAP, inadvertidamente, tornou-se a companhia aérea oficial da má digestão.
Perante tal crise, a solução óbvia surge como um deus ex-machina digno de Eurípides: obrigar os passageiros a ingerir carvão activado 48 horas antes do voo. E, em caso de dúvida, um Microlax à entrada do avião, cortesia da companhia. Quem diria que a higiene íntima se tornaria um produto de luxo?
É certo que 78 por cento dos turistas desenvolvem “síndrome de embaraço intestinal” após provarem uma alheira. A solução? Proibir jindungo a bordo e substituir as bebidas gasosas por infusões de cidreira. Até os americanos, acostumados a engolir BudLight (líquido que parece ter sido extraído de uma piscina nas férias da Páscoa), sucumbem perante uma Mini. A cerveja nacional, dizem, actua como soda cáustica no trato digestivo do Texano Médio.
Os números não mentem: seis milhões de euros em lavagem de assentos em 2024. Valor que, note-se, daria para comprar 12 milhões de rolos de papel higiénico Renova — ou financiar um curso intensivo de etiqueta aéreo-digestiva para britânicos.
Mas esqueçamos, por instantes, a farsa dos gases. Fixemo-nos no verdadeiro vento que assola a TAP: o da incompetência. Enquanto as equipas de manutenção preparam “banquinhos com aspirador” — imagem que evoca um Dyson a rezar para não ser engolido por um turbilhão de metano —, a direcção da companhia sopra, qual Aeolus moderno, promessas de lucros futuros.
Ora, a ironia é deliciosa: a mesma empresa que há anos navega em prejuízos estratosféricos, e cuja gestão faz lembrar um loop de Waiting for Godot, descobre no cheiro a desculpa perfeita. Não é o modelo de negócio que está podre, caros leitores. São os intestinos dos turistas.
E, no entanto, há esperança. Talvez um dia, quando a última cadeira for limpa e o último Microlax distribuído, alguém note que o verdadeiro gás tóxico não vem dos passageiros. Vem dos gabinetes com vista para o Tejo, onde se cozinham relatórios financeiros mais indigestos que uma feijoada à meia-noite.
Até lá, basta segurar a respiração.