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“Os nossos nunca se dopam”

Todos sabem – mas nada se perde em recordá-lo – que “dopagem” (ou “doping”, na língua de Sua Majestade) significa o emprego ou consumo de substância estimulante ou excitante proibida, por concorrente de prova desportiva, para ter melhor desempenho do que em estado normal (dicionario.priberam.org). A Lei Antidopagem no Desporto (81/2021, de 30 de Novembro, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 35/2022, de 20 de Maio) adota na ordem jurídica interna as regras estabelecidas no Código Mundial Antidopagem. É clara, precisa, consolidada e bastante abrangente.

Determina-se, no seu Artigo 5.º, que é proibida a dopagem a todos os praticantes e agentes desportivos, dentro e fora das competições desportivas, constituindo violação das normas antidopagem o uso ou tentativa de uso de uma substância ou método proibido – não podendo ser alegado o seu desconhecimento – demonstrado por confissão do mesmo, por denúncia identificada ou anónima, por declarações de testemunhas, por prova documental ou por conclusões resultantes de perfis longitudinais, determinando a aplicação de consequências.

Está abrangida por esta proibição a posse de qualquer substância ou método proibido sem autorização de utilização terapêutica ou outra justificação válida, assim como a fuga, recusa, resistência ou falta a controlo de dopagem, em competição ou fora de competição, a manipulação ou tentativa de manipulação de qualquer parte do controlo de dopagem, ou a assistência, encorajamento, auxílio, instigação, conspiração, encobrimento ou qualquer outra forma intencional de colaboração na violação ou tentativa de violação de uma norma ou período de suspensão. Juridicamente, poderá não estar abrangida a “desculpabilização” ou até a “negação”, mas do ponto de vista ético…

Porquê, então, tanta preocupação e perseguição à dopagem? O fair-play constitui um valor fundamental do Desporto, no qual assenta a proibição da dopagem. Todavia, por variadas razões de ordem individual ou de equipa, clube, federação, patrocínio, comunidade ou Estado, o Desporto e seus resultados – com as inerentes taças, medalhas e diplomas – têm sofrido crescente pressão de interesses espúrios à atividade – incluindo políticos, económicos, psíquicos e sociológicos – levando a que não se olhe a meios para alcançar os fins. Justificou-se, por isso, a criação da Agência Mundial Antidopagem (AMA/WADA) e a Autoridade Antidopagem de Portugal (ADoP).

A vida destas entidades não tem sido fácil, sobretudo devido à popularidade do Desporto, designadamente de modalidades ou contextos em que se transforma desportistas em heróis e ídolos de massas – a quem tudo se fecha os olhos e desculpa – suscitando um comportamento irracional e protecionista (ou persecutório, quando

caídos em desgraça) por parte dos adeptos e suas claques, o qual raia o fanatismo e o holiganismo. Para a turba, “os nossos nunca se dopam” e quem disser o contrário ou é maléfico ou tresloucado. Por outro lado, a dopagem evoluiu científica e tecnologicamente, tornando-se mais sofisticada e difícil de detetar ou provar.

Por estas razões, tornou-se indispensável facilitar, apoiar, incentivar, proteger e premiar a sua denúncia, um “game changer” que contribuiu para uma redução significativa da dopagem no Desporto. Todavia, a figura do “bufo” ou “chibo” (como depreciativamente é designado o delator) é tida como moral e eticamente ambígua, o que justifica a garantia de confidencialidade e a aceitação do anonimato (com eventual prejuízo da investigação a realizar pelas autoridades), afirmando-se no site da ADoP que “colaborar com a luta contra a dopagem é um ato de cidadania”, contribuindo para a “proteção da saúde e da verdade desportiva”.

A nível internacional, a gestão de programas e serviços antidopagem é assegurada principalmente pela Agência Internacional de Testagem (ITA) – uma fundação sem fins lucrativos com sede em Lausanne (Suíça), independente de poderes desportivos ou políticos – a pedido das federações internacionais, grandes organizadores de eventos e demais entidades antidopagem que solicitem apoio. A ITA reúne um conjunto de especialistas de grande reputação e credibilidade, geradores da máxima confiança, os quais têm o bem-estar dos atletas, a integridade dos eventos e a reputação dos corpos desportivos como seus principais objetivos.

Recentemente, a ITA – em representação da Federação Internacional de Canoagem (ICF) – foi notícia na imprensa nacional e local por reportar o sancionamento, com 4 anos de suspensão, de uma conhecida canoísta portuguesa, natural de Abrantes, na sequência de um processo antidopagem (com contra-análise e defesa) que confirmou a presença de um metabólito da substância proibida DHCMT, um esteróide androgénico anabolizante que aumenta o crescimento e a força muscular. Segundo a ITA, a atleta concordou com a sanção, evitando assim enfrentar um painel de audiência, remetendo-se depois ao silêncio absoluto.

Tanto quando se sabe, também a ADoP e a AMA/WADA não recorreram para o órgão de apelação competente (Divisão de Apelo do Tribunal de Arbitragem para o Desporto) como era seu direito, pelo que a sanção imposta produziu efeitos, levando à anulação de todos os resultados competitivos posteriores a 25 de agosto de 2024, tanto da canoísta como dos seus parceiros de equipa (Teresa Portela, Fernando Pimenta e Messias Baptista). À LUSA, o advogado da atleta informou que esta não contestou nem recorreu da acusação e da sanção, por motivos financeiros (o custo seria de 20 mil euros).

Segundo o causídico – a quem cabe, esclareça-se, defender os direitos e interesses dos seus clientes e não descobrir a verdade absoluta dos factos – a Federação Portuguesa de Canoagem não apoiou a atleta, nem direta nem indiretamente, deixando-a sem

acompanhamento técnico, jurídico ou sequer institucional e abandonando-a no momento mais crítico da sua carreira. Esta acusação foi rejeitada pelo presidente federativo, o qual garantiu ter falado pessoalmente com a canoísta, mostrando-lhe solidariedade e disponibilidade para ajudar, como sempre, no que fosse necessário.

“Sabemos que tudo o muito que conquistou ao longo da carreira foi fruto do seu trabalho e do seu talento”, afirmou, acrescentando que este caso “mancha aqui tudo aquilo que foi a sua carreira”. Anteriormente, o presidente da Federação Portuguesa de Canoagem (FPC) havia manifestado enorme surpresa e grande tristeza com o sucedido, desejando a inocência da atleta, mas reafirmando a intolerância da instituição para com o “flagelo” da dopagem. “Sempre nos orgulhámos de ser um país limpo em termos de doping e este é um caso isolado, ao longo dos 45 anos da canoagem em Portugal nunca tivemos um caso destes”.

Entretanto, para minha perplexidade e lástima, têm sido muitos os que, entre afirmações contraditórias, explicações inverosímeis, argumentos subjetivos e emocionais (a raiar a falta de ética) e acusações infundadas – julgando (erradamente) que é assim que se apoia a atleta e arriscando, também eles, violar a já referida Lei Antidopagem no Desporto – vão criando ruído e procurando disfarçar, sem sucesso, o óbvio e já assumido: a dopagem ficou provada e a canoísta – que é muito popular e acarinhada pela comunidade abrantina (eu incluído) – aceitou o facto e suas consequências, o que certamente abona a seu favor.

Em democracia não há temas tabu e o contraditório deve, não só ser garantido, como visto com naturalidade e normalidade. A dopagem no desporto não pode ser desculpada nem justificada, caia quem cair na sua pressão ou tentação. As autoridades antidopagem devem merecer – à partida e até prova inegável em contrário – a confiança de todos os cidadãos, sob pena de se instalar o caos e morrer a verdade desportiva (e até os atletas). A negação, sem fundamento, dos casos provados de dopagem – por amizade, admiração, interesse ou uma qualquer “teoria da conspiração” – nunca foi boa conselheira. Mantenhamo-nos, pois, fiéis aos nobres valores do desporto e da vida.

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José Nascimento
José Nascimento
Tem 68 anos e vive na aldeia de Vale de Zebrinho (Abrantes). Reformado do ensino superior, onde lecionou disciplinas de gestão e psicologia social, dedica o seu tempo à atividade cívica e autárquica. É, também, membro do núcleo executivo do CEHLA – Centro de Estudos de História Local de Abrantes (editor da Revista Zahara). Interessa-se pelas dinâmicas políticas e sociais locais e globais, designadamente pelos processos de participação e decisão democráticos.

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