Publiquei este texto no Diário de Notícias em Agosto de 2004. Duas décadas depois – o tempo aproximado de uma geração – faz para mim sentido voltar a ele, para mostrar como a realidade é dialética e essencialmente paradoxal, contendo ou gerando em si o seu contrário. É o caso – em termos gerais e maiores – do Bem e do Mal, requerendo o bem-viver a noção e a capacidade de prever e lidar com as permanentes e frequentemente dissimuladas contradições do Mundo e da Vida. Vamos então ao referido texto, ligeiramente retocado
É impossível que algo ou alguém tenha criado o primeiro criador, sem que ele próprio tenha sido criado por outro. Por isso, nada pode existir, nem mesmo as suas dívidas. Ao juíz que recusar o argumento, lembre-o que, a cada momento, deixamos de ser quem éramos, além de que não faz sentido aplicar uma pena adicional a quem já nasceu condenado à morte. A não ser que, por prazer ou redenção, prefira o sofrimento, caso em que o Mal até viria por Bem.
O Presente não passa de uma intersecção do Passado com o Futuro, os quais também não existem porque um já foi e o outro ainda há-de vir. Se inventar uma Máquina do Tempo, sempre poderá comprar a taluda ou convencer o seu avô a não ter filhos, mudando assim o seu destino. Sem Presente, não vale a pena falar do que quer que seja, e quem o fizer só poderá estar errado. Tanto mais errado, aliás, quanto mais certo julgar que está.
A realidade é uma ilusão e o horror ao vazio explica a razão pela qual tantos, sempre os mesmos, se esforçam por dizer tanto e tão pouco sobre uma realidade que não existe, através de um mediático postigo que descontextualiza e adultera. Refiro-me à Televisão, obviamente, essa caixa mágica que forma e arrebanha a opinião. Mas a verdade é que também eu “minto sempre”, pelo que jamais saberei se aquilo que digo é falso ou verdadeiro, tal como ignoro por que motivo, sendo eu tão “inteligente”, não consigo ser rico.
Adoro os paradoxos. Não só lhes acho piada, como considero indispensável tê-los em conta para compreender a realidade. Se não, vejamos: somos reis e escravos do consumo, defendemos a igualdade e a diferença, vivemos sós entre mais gente, a rapidez tira-nos tempo e com mais informação sentimos uma incerteza acrescida. O Diabo sabia-o bem quando pôs em causa a omnipotência de Deus, ao pedir-lhe para criar uma pedra que não conseguisse levantar. «Agora é que me lixaste!», terá retorquido O Todo-Poderoso.
Na política, busca-se a Quadratura do Círculo: critica-se quem critica, promete-se o que não se cumpre, os que perdem também ganham e o abaixamento de nível rende votos, engrandecendo políticos menores. Em compensação, votamos para “deseleger”, permitindo a eleição de quem não gostaríamos de lá ver. Quanto pior revela-se quase sempre melhor, razão por que se trocássemos a União Europeia pela Africana, não só passaríamos dos últimos para os primeiros lugares (em alguns indicadores), como talvez passássemos a dar valor ao que perdíamos.
Felizmente, todo o senão tem uma bela e eu tive umas férias calmas por ter ficado onde estava, enquanto a confusão partia com quem a queria deixar. A sorte desta malta é que nunca mais irá trabalhar porque, para voltar ao emprego, precisará sempre de cumprir metade da distância que lhe falta percorrer e, como continuará a ter aquilo que não perdeu, continuará rico porque não perdeu qualquer fortuna. Com esse dinheiro, poderá até importar as Pirâmides do Egipto, tendo o cuidado de juntar as pedras com a mesma geometria e garantir que os Egípcios não construirão novas Pirâmides.
Apesar de só saber que nada sei e que a realidade não existe, sei também que a evidência me cria perplexidade e que o ovo e a galinha nunca se precederam mutuamente. Reconheço, contudo, que não se pode ter opinião sobre o que não existe – ainda que se possa tê-la livremente sobre o que não se sabe – pelo que qualquer opinião é necessariamente falsa e, afinal, a realidade existe mesmo (e até estamos convencidos de que a dominamos). Não se pode é estar certo disso, pode o leitor ter a certeza.