Imaginem um país onde prometer menos IRS se transforma, por obra e graça de uma calculadora partidária, em mais IRS disfarçado de migalhas. Pois bem: eis-nos chegados ao cúmulo da genialidade tática — ou seria tática da ausência de tática? —, em que o Executivo de Luís Montenegro, qual alquimista moderno, converte o ouro eleitoral em chumbo burocrático. O povo, pagador de impostos, descobre, entre recibos e declarações, que o “reembolso histórico” prometido se assemelha mais a um vale de desconto para comprar lágrimas de crocodilo na loja do costume.
Aqui, a hipocrisia atinge o estatuto de arte: anunciar alívio fiscal enquanto se afaga a máquina de moer contribuintes não é incompetência. É projecto. Um projecto tão sofisticado que até os técnicos das Finanças se interrogam se não estarão a trabalhar para o Ministério da Ficção Científica. E o líder? Montenegro, esse arquiteto do desastre, sorri para as câmaras como quem acabou de resolver um sudoku, ignorando que metade das casas estão preenchidas com números imaginários.
Gestão? Ai não, ai não!
Avancemos para o cerne do delírio: se um governo não planeia a médio prazo, transforma-se num teatro de Revista onde todos representam papéis escritos por Eugène Ionesco ouVictor Espadinha. Tomemos exemplos recentes: a ministra da Saúde, essa figurante cujo nome ninguém recorda, vagueia pelos corredores do poder como uma alma penada à espera de uma sondagem péssima, que a liberte. Enquanto isso, o primeiro-ministro, num acto de coragem cívica, desafia David (o povo) e Golias (a oposição) simultaneamente — esquecendo-se de que, na versão original, David pelo menos tinha uma funda.
Os factos são elucidativos: em 2024, Portugal registou o maior défice orçamental da última década (4,2 por cento do PIB), um feito notável para uma equipa que prometia “rigor”. A solução? Cortar na Saúde e na Educação, é claro! Porque nada diz “gestão responsável” como sacrificar o futuro para pagar as contas do presente. E o IRS? Esse calcanhar de Aquiles do contribuinte, reduzido a uma campanha de publicidade onde “menos” significa “mais, mas distribuído em prestações simbólicas até 2030”.
O ápice da genialidade, porém, reside na estratégia eleitoral: apostar tudo na gratidão de um eleitorado que, lembre-se, trocou o PS pela AD não por amor, mas por desespero. Montenegro, num rasgo de psicologia inversa, acredita que o povo premiará a sua coragem de falhar e, além, de se calar perante suspeitas de trazer por casa. É como esperar um Oscar por interpretar mal o papel principal.
Pensar? Nunca!
Desmontemos a farsa: a burrice aqui não é falta de inteligência. É a recusa em pensar. Montenegro e o seu governo de gestores cometem o pecado capital da política moderna: acreditar que gerir um país é como gerir um supermercado, onde basta equilibrar prateleiras e ignorar que os clientes estão a morrer de fome lá fora. O IRS menor? Apenas sintoma de uma doença maior: a tecnocracia sem alma, que reduz cidadãos a números e promessas a posts no Instagram. O novo hino do PSD, ou da AD, já nem sei, vai buscar uma frase de Aníbal de Boliqueime, o “deixem-nos trabalhar”. Mais uma vez Luís Montenegro não percebeu que os hinos daquela parte ou são escritos por Dias Loureiro, ou nada valem.
A esperança, dizem, é a última a morrer. Talvez sobreviva na forma de um eleitorado que, cansado de gestores e salvadores, comece a exigir visionários. Ou, quem sabe, na ironia de ver o “Xega” — esse partido que faz do ressentimento uma plataforma — crescer não por mérito, mas por falha alheia.
Quanto a Montenegro, resta-lhe o consolo de Santana Lopes: a História lembrar-se-á dele não pelo que fez, mas pelo que deixou de fazer. E ao PS, essa sombra que ri à janela, bastará esperar que o povo, na sua fúria, troque o “menos IRS” por um “chega” — com letra minúscula ou maiúscula, tanto faz.
A política resume-se a escolher entre o mau e o pior, talvez a verdadeira revolução seja exigir que nos sirvam, finalmente, o bom. Até lá, contentemo-nos com a comédia. Ou tragédia. Depende do ângulo da câmara.