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Candidatura autárquica, que vantagens para a cidadania?

Os anos que levo de experiência autárquica, primeiro como apoiante da primeira candidatura do Dr. António Capucho à Câmara Municipal de Cascais (2001), encarregue dos estudos de opinião, depois como mandatário político do MVC – Movimento Viver o Concelho (Caldas da Rainha, 2013-2015) e representante do mesmo na Direção da AMAI – Associação Nacional dos Movimentos Autárquicos Independentes, e, mais recentemente, como cofundador do Movimento ALTERNATIVAcom (Abrantes, 2019-…) e membro da Assembleia Municipal de Abrantes (2021-…), permitem-me fazer um balanço das vantagens e desvantagens de uma candidatura autárquica protagonizada por um movimento de cidadania (vulgo “independentes”, distintos dos “ind.” que integram as candidaturas partidárias) ou, como prevê e designa a Lei Constitucional, por um “grupo de cidadãos eleitores”.

Embora haja quem se mova sobretudo pelo poder ou pela pertença, a principal motivação que leva a constituir um movimento autárquico independente e a concorrer a eleições locais, é (ou deveria ser) a vontade de realizar, isto é, de ser mais – ou suficientemente – influente e poder desempenhar um papel mais relevante e determinante na governação autárquica de um concelho ou freguesia, concretizando um propósito e um programa eleitoral. O propósito será a melhoria do bem-comum – o território e as pessoas – e o programa serão as políticas, as estratégias e as iniciativas com que a candidatura se compromete. Este desiderato, todavia, só é conseguido quando se alcança pelo menos um dos seguintes objetivos:

1- A conquista de uma maioria absoluta eleitoral, traduzida em mandatos no órgão executivo (vereadores da Câmara Municipal) e/ou no órgão deliberativo (membros da Assembleia Municipal ou de Freguesia);

2- Inexistindo uma maioria absoluta, a possibilidade de formar (tendo maioria relativa) ou integrar uma maioria que aceite realizar, em alguma medida, o programa eleitoral sufragado, e em que seja possível influenciar ou condicionar as suas decisões;

3- Não havendo interesse ou possibilidade de integrar uma maioria, haver da parte desta suficiente cultura democrática e capacidade de escuta, diálogo e integração de propostas, valorizando os contributos das minorias opositoras e justificando, assim, o seu papel e existência.

Ora, na prática, não é isto que acontece em muitas realidades autárquicas. Tendencialmente, a autoridade democrática é confundida com poder absoluto e autoritário, os recursos do Estado são confundidos com os partidários, a comunicação autárquica é confundida com propaganda partidária (e, até, culto da personalidade), os órgãos de imprensa – que se querem livres, escrutinadores e plurais – são confundidos com agências de propaganda e agendas municipais – sujeitando-se alguns jornalistas ao papel de “apresentadores” e “relações públicas” – e os serviços públicos (diretos e tutelados) são confundidos com facilitação (ou dificultação) de empregos e negócios – abusando-se dos Ajustes Diretos (em que os escolhidos são de amizade ou confiança política e pessoal) e distorcendo-se as Consultas Prévias (em que 2 dos três candidatos, estranhamente, nunca respondem, sendo dispensada a existência de júri de seleção). Nestas realidades, as forças políticas minoritárias não fazem oposição ao partido (ou movimento) no poder, fazem oposição (se e quando fazem) à Câmara Municipal ou Junta de Freguesia, isto é, ao Estado (!).

Isto não devia – não pode! – acontecer em democracia, pois são práticas aberrantes próprias do caciquismo político local, ultraconservador, autoritário e possidónio. Mas acontece, para infelicidade de quem acredita na democracia liberal, na cidadania livre e participativa, na igualdade de oportunidades e na justiça social. As maiorias absolutas eleitas – ou formadas ‘a posteriori’, designadamente pelo chamado “bloco central” [de interesses] – tendem a ostracizar as minorias – sobretudo quando estas são independentes dos partidos e dos poderes fáticos – desprezando as suas propostas e procurando silenciar as suas vozes. Casos há em que as maiorias absolutas demonstram, há demasiados anos, uma vergonhosa, nociva, danosa e malfazeja falta de cultura e vivência democráticas, marginalizando parte significativa da comunidade e prejudicando-a no seu todo. Nestas realidades, estar em minoria nos órgãos autárquicos é o mesmo – ou pior! – do que não estar de todo.

E, mesmo quando o estatuto do direito de oposição impõe a consulta prévia, esta não vai além do cumprimento minimalista, meramente formal e cosmético, da obrigação legal e administrativa, mandando a ética às urtigas. Tudo isto sujeitando as minorias a todo o tipo de vexames e desconsiderações, não só políticas como pessoais. Em ano de eleições autárquicas, este cenário torna-se ainda mais absurdo, indecente e ridículo: há dinheiro a rodos para comprar novas clientelas e fidelidades (e consolidar as existentes), fazendo-se fotografar, por exemplo, a assinar contratos interadministrativos a destempo, a entregar cheques gigantes às IPSS, a distribuir saquinhos e sorrisos às crianças e idosos, ou a inaugurar ou lançar obra coincidente com o calendário eleitoral, no limite do que a lei permite, ou mesmo violando a lei, tirando partido da lentidão da justiça.

Para a cidadania ativa e os movimentos cívicos constituídos (ou a constituir), a alternativa, nestas circunstâncias, é a democracia direta ou participativa, lutando por causas públicas de variada natureza, usando com responsabilidade as redes sociais, requerendo acesso aos documentos administrativos, intervindo em fóruns de debate e nas sessões públicas dos órgãos autárquicos (muitas delas com transmissão online em direto) e, quando justificado, denunciando às autoridades de tutela e judiciais, assim como através da imprensa (quando possível), as irregularidades intencionalmente praticadas pelos executivos autárquicos. Será esta intervenção cidadã, alternativa ao veículo e pertença autárquica, necessariamente menos eficaz para o propósito de desenvolver um território, aumentar a qualidade de vida dos cidadãos e melhorar o ambiente democrático de uma comunidade?

Não me parece, nomeadamente nas lamentáveis circunstâncias antes descritas. É certo que a conquista de uma maioria autárquica não acontece, geralmente, de um dia para o outro, podendo levar dois ou três mandatos a alcançar, com adequada orientação e empenhado trabalho. Mas o enleado formalismo, a pesada burocracia e os elevados custos humanos, materiais e financeiros inerentes a uma candidatura autárquica da cidadania – deliberadamente impostos pelos partidos políticos – não são despiciendos, a juntar a toda a já referida manigância antidemocrática. A candidatura autárquica de um movimento de cidadania será sempre uma possibilidade em cima da mesa, mas tem de fazer pleno sentido democrático, reunir os apoios e contributos necessários, e ter garantida, à partida, suficiente lisura e possibilidade de sucesso eleitoral. Por outras palavras, não basta ter um forte sentimento cívico, é preciso também ter um forte juízo ponderativo, juntando uma inexorável razão a um generoso coração.

(Esta crónica baseia-se na minha intervenção na Assembleia Municipal de Abrantes)

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José Nascimento
José Nascimento
Tem 68 anos e vive na aldeia de Vale de Zebrinho (Abrantes). Reformado do ensino superior, onde lecionou disciplinas de gestão e psicologia social, dedica o seu tempo à atividade cívica e autárquica. É, também, membro do núcleo executivo do CEHLA – Centro de Estudos de História Local de Abrantes (editor da Revista Zahara). Interessa-se pelas dinâmicas políticas e sociais locais e globais, designadamente pelos processos de participação e decisão democráticos.

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