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Cão, Cão, galinha o põe

O animal cão não é uma coisa e deve ser tratado como semi-pessoa. O porco da Índia também, mas o porco preto, numa atitude claramente racista, continua a ser uma coisa para grelhar. Já o gato, por causa do seu estrelato online, protege-se.

Vem isto a propósito de, nesta época, o povo não poder adoptar cães e gatos: as autoridades perceberam que metade era prenda de Natal e a maioria ia parar ao meio da rua antes de 1 de Janeiro…

Há nisto tudo uma razão, mas uma hipocrisia. A razão é que os animais de companhia são, de facto, parte do ambiente familiar, afectivo e de desenvolvimento das dinâmicas sociais. A frase-chave da lei em vigor é esta: “Os animais não devem ser reconduzidos ao estatuto jurídico das coisas, reconhecendo que são seres vivos dotados de sensibilidade”.

Claro que são, não precisamos da lei para nos esclarecer. A ovelha de uma amiga minha era amiga dela, também. Quando um dia lhe deram a chanfana à ceia, a minha amiga sentiu-se uma canibal e nunca mais comeu tal coisa. É esta a hipocrisia, mas nada que nos apoquente. Somos omnívoros por biologia, não nos damos só a talos de couve e seitan de cebolada.

Os cães que pernoitam cá em casa têm estatuto de lordes, não de semi-pessoas. Nunca passou pela cabeça de ninguém, que com eles convive, que pudéssemos temperá-los com alho (embora um deles trague uma cabecita de vez em quando, enganado pela fatia de presunto que envolve o antibiótico natural).

A discussão é de costumes. A um chinês, quem lhe tira o cão, tira-lhe um pitéu. Ao indiano quem lhe tira a vaca, tira-lhe a espiritualidade. A nós, quem nos tirar o gato tira-nos a paciência e corremos a fazer cartazes, mais espampanantes que nos anos 70 aqueles anúncios da PJ sobre os cidadãos desaparecidos.

A relação com os animais não deve ser, por isso, vista a preto e branco. Há animais que, domesticados, servem para que os comamos.

Outros, para que os montemos. Por fim, há os que não servem para nada e os que se tornam verdadeiros amigos – numa relação bilateral sentida pelos humanos e pelos animais.

Há, também, aqueles que não se compreende. Um hamster deve ser uma seca e ter uma vida mórbida. Ou a passarada que foi feita para voar e passa a vida em jaulas, para deleite dos observadores.

Em tempos o PSD e o CDS estiveram contra a mudança da lei, que introduz uma sensibilidade legal à tradição europeia de olhar para os animais de companhia como semi-pessoas e não coisas. Numa aguerrida discussão entre o PAN e até o PCP, disse este que não é com mais penalização que se ensina a sociedade a gostar de animais. É um argumento válido, a longo prazo e implica muito mudanças de mentalidades.

Entretanto ainda se arrasta a treta da toirada…

Aqui, não há grande pachorra para contraditar. Pela “tradição” ainda andávamos a comer putos como os gregos ou a violar ovelhas como ainda há uns anos foi noticiado. (Disse violar, porque se for de livre vontade, enfim, o debate alarga-se).

Ou, grita o CDS, ai ai ai que se vai proibir a caça. Pois devia. A caça ainda é mais revelha que a toirada – é do tempo do paleolítico, coisa que CDS deve pensar se é época que mereça defender-se. E na “pesca desportiva” é raro um peixe puxar um homem para a barragem.

Conservadores dos costumes. Uma curiosa clarificação, porque o diabo está nos detalhes.

O diabo não pode ser adoptado, por enquanto.

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Joao Vasco Almeida
Joao Vasco Almeida
Jornalista, autor, (pré-agricultor).

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