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Direitos de oposição ou cortesias de quem manda?

O papel e a responsabilidade da oposição política é matéria há muito estudada e disseminada pelos melhores fóruns e publicações de investigação e debate político-democrático. Em Portugal, o artigo de Luís Filipe Mota Almeida e Luís de Sousa “O direito de oposição nos municípios portugueses” (Revista Análise Social n.º 232, pp. 504-531, 2019) constitui uma importante referência e reveste-se de especial interesse para os autarcas e os cidadãos em geral. Tivemos, em Abrantes, o privilégio de contar com a participação do Prof. Doutor Luís de Sousa no 1º FÓRUM DEMOCRÁTICO – Onde Vozes Diferentes Se Fazem Ouvir, organizado pelo Movimento ALTERNATIVAcom em novembro de 2022.

Neste artigo, os autores recordam que “a ideia de oposição é tão central à noção de democracia como a de governo”, pois o seu papel não se resume a conquistar o poder, exercendo igualmente uma função de representação de interesses e aspirações das minorias, de preparação e deliberação de projetos, de controlo e fiscalização do executivo e de porta-voz das aspirações de grupos que são sistematicamente excluídos de soluções de governo, integrando-os no sistema político.

Por outras palavras, “o jogo democrático oferece um método alternativo e pacífico de resolução de problemas e conflitos sociais, porque permite uma pluralidade de posições, inclusive minoritárias, sobre esses mesmos problemas e conflitos, e institui um princípio de alternância de incumbentes”. Todavia, os autores alertam que “em contextos de longevidade no poder da mesma formação política, de fraco pluralismo político e comunicacional, de ausência de freios e controlos efetivos à ação do executivo, e de uma cultura democrática marcada por clivagens insanáveis por via do diálogo e negociação, o papel formal da oposição pode encontrar-se bastante debilitado e menorizado”.

Acrescentam, ainda, que “em casos mais extremos, poderá inclusive conduzir à sua desinstitucionalização, forçando as forças políticas que a compõem a assumir uma oposição de princípio, não-construtiva face ao poder instituído e a uma atuação mais focada em assegurar a sua sobrevivência política através de meios convencionais e não convencionais, e a adotarem uma retórica antissistema”. Espera-se, nestes contextos, que governo e oposição “criem condições para o diálogo, cooperação e construção de consensos sobre determinadas matérias de interesse para a comunidade”.

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O Estatuto do Direito de Oposição (EDO) surge, assim, para assegurar às minorias o direito de constituir e exercer uma oposição democrática, procurando “romper com um passado que reprimia o dissenso, construir uma sociedade aberta onde a oposição seja

parte integrante do processo de decisão política, sensibilizar a opinião pública portuguesa para a importância e função da oposição em democracia, e assegurar os meios necessários para que a oposição possa ser exercida de forma responsável e construtiva”. Todavia, os autores identificam um conjunto de práticas negativas nos órgãos autárquicos municipais que revelam desprezo e descuido na aplicação do EDO e que fazem com que os direitos da oposição se transformem em “meras cortesias de quem manda”, havendo a tendência, por parte das maiorias, de tratarem os eleitos das minorias como “meros jarrões decorativos”.

Relativamente aos direitos formais previstos no EDO, Mota e Sousa (2019) referem que, na prática, a oposição é frequentemente obrigada a “interpelar insistentemente o executivo para que cumpra o seu dever de informação ou a encetar uma batalha jurídica, muitas vezes longa e ingrata, persistindo atropelos dissimulados ao direito de pronúncia e intervenção na condução dos trabalhos, durante as reuniões de Câmara e sessões da Assembleia Municipal, não só em termos da distribuição dos tempos de intervenção, como também quanto à forma esquiva como o incumbente responde aos pedidos de informação”.

Os autores afirmam, também, que “a participação nos eventos oficiais ocorre apenas naqueles em que o presidente entender, o que faz com que, na prática, estes eventos acabem por ter apenas a participação da maioria e dos seus eleitos”. Por outro lado, o facto de a elaboração dos Relatórios de Avaliação do Grau de Observância do Direito de Oposição ser da exclusiva responsabilidade do presidente do órgão executivo, faz com que muitos desses Relatórios sejam irrealistas e desprovidos de sentido crítico quanto à prática institucional e aos problemas existentes, reduzindo-se frequentemente o contraditório ao cumprimento de uma formalidade, já que os Relatórios não carecem de votação e aprovação na Assembleia Municipal.

Desde a eleição do Movimento ALTERNATIVAcom para os órgãos autárquicos de Abrantes, em 26 de setembro de 2021, que questionamos sistematicamente a maioria sobre o respeito e cumprimento dos direitos de oposição, tanto ao nível do corpo executivo como deliberativo. Sendo os movimentos autárquicos independentes formalmente designados por Grupo de Cidadãos Eleitores (GCE), fica claro que eles constituem uma emergência direta da cidadania livre e participativa – à qual pertencem e estão umbilicalmente ligados – dela recebendo orientação e a ela prestando contas.

Assumimos, por isso, que os nossos direitos de oposição não se distinguem dos direitos de cidadania, razão pela qual, na primeira sessão do atual mandato da Assembleia Municipal de Abrantes, realizada em 10 de dezembro de 2021, votámos contra a Proposta de Regimento (apresentando Declaração de Voto), uma vez que, em nosso entender, ele dificulta e prejudica a participação dos cidadãos, ao impor a realização das sessões em horário laboral, ao relegar a intervenção dos cidadãos para o final das

sessões e ao impedir os cidadãos de intervirem uma 2ª vez, se o desejarem, para defesa da honra ou da verdade.

Ao longo dos últimos três anos, o Movimento ALTERNATIVAcom alertou e denunciou, por diversas vezes, atitudes de desrespeito e incumprimento dos direitos de oposição. Foram vários os comunicados e as intervenções nos órgãos autárquicos, denunciando atropelos ao EDO e afirmando a vantagem para Abrantes – e para o próprio poder incumbente – de a maioria PS ter uma postura mais inclusiva e colaborativa relativamente à oposição, sem pretender esvaziá-la da sua identidade própria e das responsabilidades que tem para com o eleitorado que representa. Não tenho qualquer dúvida de que o tempo nos dará razão, mas custa assim tanto perceber e tudo fazer para que Abrantes se desenvolva em harmonia e sinergia?

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José Nascimento
José Nascimento
Tem 68 anos e vive na aldeia de Vale de Zebrinho (Abrantes). Reformado do ensino superior, onde lecionou disciplinas de gestão e psicologia social, dedica o seu tempo à atividade cívica e autárquica. É, também, membro do núcleo executivo do CEHLA – Centro de Estudos de História Local de Abrantes (editor da Revista Zahara). Interessa-se pelas dinâmicas políticas e sociais locais e globais, designadamente pelos processos de participação e decisão democráticos.

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