Em 1942, no auge dos autoritarismos e da agressão nazi-fascista na Europa e no Mundo, o poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) publicou “José” na coletânea Poesias. Hoje, quando os autoritarismos voltam a ameaçar as liberdades e a democracia, prometendo tempos sombrios, “José” volta a ser fonte de inspiração e motivação para enfrentar a o Mal que emerge da ignorância, do medo e da cólera sem sentido.

Passaram oito décadas. O severo e negro inverno autocrático foi superado e as luminosas primaveras democráticas fizeram florescer as liberdades. Com o verão, colheram-se os frutos e festejou-se alegremente, com os excessos próprios da folgança. Passou o tempo e começou a secar o que tinha de secar – e o que não foi convenientemente regado – surgindo os primeiros sinais de outono. Sim, há ciclo e determinismo na sociedade, mas também negligência e incúria que deixa a vida à mercê dos elementos.
José Mário Branco resumiu-o em “Inquietação” (1982): “A contas com o bem que tu me fazes, a contas com o mal por que passei, com tantas guerras que travei, já não sei fazer as pazes. Cá dentro inquietação, inquietação, é só inquietação, inquietação: há sempre qualquer coisa que está para acontecer, qualquer coisa que eu devia perceber. Qualquer coisa que eu tenho de fazer, qualquer coisa que eu devia resolver. Porquê não sei, porquê não sei, mas sei que essa coisa é linda…”.
Aqui chegados, volta a perguntar-se: “E agora, José?”, vais continuar a bater na mesma tecla, a tocar a mesma nota, ou experimentas outras que componham melhor texto ou harmoniosa melodia? Vale a pena insistires no mesmo assunto, no mesmo método – sem progredires nem mudares de racional – como se estivesses a pressionar repetidamente a mesma peça do teclado, de coisa de escrever ou musical?
Para quê replicares o mesmo argumento, reiterares a mesma ideia, executares a mesma ação, sem que isso traga algo de novo, significativo e útil? Para quê persistires no mesmo ponto, no mesmo raciocínio, repetindo à exaustão as mesmas razões e objeções, sem que elas produzam resultados práticos, diferentes e relevantes? Como usares a liberdade plena e realizares novas vontades e aspirações, as tuas e as dos outros a quem queres bem?
“E agora, José?”, o que resta ou cumpre fazer quando parece já não haver vida e a morte não é – nunca foi – opção? Se já não há lugar de origem, como pode o passado ser refúgio seguro, ou mesmo inseguro? Há sonho, há esperança, nesse resto de resiliência e instinto de sobrevivência, que te diz que “para a frente é que é o caminho”? Que caminho e com que propósito? Com que sentido e com que coragem e determinação?
Sabes que, para contares com os outros, tens de começar por contar contigo próprio, José? Sabes que, para lidares com a incerteza e o medo – superando os vazios, as angústias e as carências – tens de te agarrar a rotinas e obrigações, definindo objetivos e direções? Não desistas, José, levanta-te e prossegue. Tu que és sem nome, que “ninguém te conhece”, zomba deles, faz versos, ama, protesta. Não temas ser “um gajo sozinho contra o mundo”. Mesmo no escuro, tu és duro e marchas, José.