Reza a história que, certa noite, o burro de um camponês caiu num poço fundo, já seco, não conseguindo dali sair. O burro zurrou, zurrou, até que o dono se apercebeu do que havia acontecido. Como o burro já era velho e seria preciso gastar muito dinheiro para o salvar, o camponês achou melhor enterrá-lo (vivo) de imediato.
Com a ajuda de um vizinho, pegaram em duas pás e começaram a deitar terra para dentro do poço escuro. À medida que o poço ia enchendo, o burro zurrava cada vez menos, pensando os dois homens que o animal estava a dar os últimos suspiros. Sem esmorecer, continuaram a deitar terra para tapar completamente o buraco.
Qual não foi o seu espanto quando – já faltando pouco para a terra chegar à boca do poço – começaram a ver a silhueta do burro a aparecer. De facto, o burro ia sacudindo a terra que lhe caía no lombo, subindo para a terra que ia enchendo o buraco. Finalmente, o burro aproximou-se da superfície e saltou para fora do poço.
A moral da história é óbvia: não se deixem enterrar em dificuldades, sacudam os problemas que vos atiram para cima e vão-nos usando para resolvê-los a vosso favor (e com vosso proveito), assumindo a perspetiva de que aqueles que – com ou sem intenção – vo-los criam, estão, sem o saberem, a ensinar-vos e a ajudar-vos a progredir na vida.
A dialética da vida proporciona-nos muitas oportunidades, pois a vida é um processo de tensões e conflitos entre forças opostas (como a alegria e a tristeza) que evolui para novos estados, entendimentos ou realidades, dependendo da maneira – positiva ou negativa (postas as coisas de forma genérica e simplista) – como o conduzimos.
As dificuldades são, por isso, motores de progresso e transformação. Desafiam-nos a buscar e encontrar novas saídas e caminhos, convertendo-as em oportunidades. Para o burro do camponês, bastou o instinto perante o óbvio. Para situações mais complexas, são exigidas outras capacidades: autoconfiança, autocontrolo, pensamento lateral e de sucesso, etc.
Na tradição filosófica chinesa, o Tao é a ordem geral do universo, o princípio ou o caminho, a fonte ou força motriz de toda a existência, assumida como estilo de vida. Destaca-se a dualidade de tudo, constituindo duas forças fundamentais opostas e complementares presentes em todas as coisas (nada existindo no estado puro): o escuro Yin e o claro Yang.
Tudo depende, portanto, do ponto de vista, oferecendo uma simetria rotacional (não estática) em contínuo movimento cíclico de geração mútua e interação entre estas duas
forças. De cada vez que uma delas se aproxima do seu ponto extremo, eclode em si a semente do oposto. Valoriza-se, entre outras dimensões do ser e do estar, a moderação, a compaixão e a humildade (os “três tesouros”).
Na fábula d’O Burro e o Poço, foram precisamente estas qualidades que faltaram ao camponês e seu vizinho, levando-os (felizmente) a falhar os seus intentos. E foram exatamente a espontaneidade, a simplicidade, a serenidade, a contemplação e a moderação dos desejos – tome-se disso boa nota – que deram ao jumento a tranquilidade necessária à sua salvação. Afinal, quem é o “burro”?!
P.S.: Crónica dedicada a quem despreza e troça dos burros.