Na reta final da campanha para as eleições autárquicas, o esforço de mobilização dos partidos tornou-se evidente. De norte a sul, os líderes partidários multiplicam-se em ações de campanha para garantir a vitória em concelhos-chave. Com 308 câmaras municipais em jogo e 3221 juntas de freguesia, os dirigentes partidários atiram-se às feiras, mercados, bifanas e viagens de comboio – por agora, sem deixar por completo a Assembleia da República.
No próximo domingo, 12 de outubro, Portugal vai novamente a votos. Estão em jogo 308 autarquias e assembleias municipais e mais de 3 mil freguesias. Este ano, há também 89 autarcas que estão de saída devido à limitação de mandatos. E antecipa-se que estas eleições autárquicas possam trazer mudanças no panorama do poder local, mas as leituras finais dos resultados serão variadas.
Desta forma, a campanha começa a aproximar-se do final, o que, regra geral, significa que os ataques entre adversários se intensificam. Esta quarta-feira, Carlos Moedas insistiu que Alexandra Leitão lidera um “projecto de ódio” e a candidata da coligação Viver Lisboa retorquiu que o presidente da câmara está de “cabeça perdida”. A norte, Pedro Duarte declarou-se “desesperado” para conhecer o programa eleitoral de Manuel Pizarro e criticou a falta de transparência do adversário.
Mas para quem esteve atento às notícias, estas autárquicas pareciam umas eleições nacionais. Quem apareceu constantemente foram os líderes dos partidos: Luís Montenegro, André Ventura, José Luís Carneiro, Mariana Leitão, Paulo Raimundo, Rui Tavares, Nuno Melo e Mariana Mortágua.
Todos fizeram questão em transformar as eleições autárquicas, que são de âmbito local e regional, estivessem ”sujeitas” a uma “politização do nacional”. Há 308 concelhos aos quais concorrem os candidatos, mas só se falou do Porto, Lisboa e pouco mais.
Está na altura de separarmos o tipo de eleições: autárquicas; legislativas; europeias; presidenciais. As eleições presidenciais, pela sua especificidade e por haver poucos candidatos, conseguem distinguir-se e sobressair. Todavia, as eleições autárquicas continuam a ser menorizadas e depreciadas. Os protagonistas deveriam ser os candidatos a presidentes de Câmara e candidatos a presidente de Freguesia. Os candidatos das grandes cidades deveriam ter a palavra. Mas, infelizmente, quem aparece constantemente são os líderes dos partidos a falar do Orçamento do Estado ou de outros assuntos que nada têm que ver com as eleições autárquicas.
A principal expectativa, que tem transparecido do comentário político, é saber se e como a votação nacional do Chega poderá refletir-se no poder local. Depois de ter ficado em terceiro lugar em número de votos nas eleições legislativas de maio, o facto é que o partido de André Ventura se estreou como segunda força política no Parlamento, com 60 mandatos, atrás da coligação do PSD com o CDS-PP, a Aliança Democrática, com 89 parlamentares, e à frente do PS, com 58 deputados.
Para estas contas, importa perceber se estas eleições serão focadas na política local e nos problemas específicos de cada município ou se os temas nacionais vão pesar neste processo eleitoral.
Segundo os ”comentaristas de serviço”, a maioria dos “eleitores distingue que se trata de um tipo de eleição em que há uma maior identificação com os problemas locais, em que se valorizam, sobretudo, perspetivas de pessoas que sejam conhecedoras do terreno, que tenham obra feita ou que, pelo menos, tenham notoriedade. Se não for a nível local, que neste caso poderá acontecer, têm notoriedade a nível nacional”.
Contudo, “é difícil dizer que há uma separação rígida entre o nacional e o local, uma vez que há problemas nacionais que são transversais a todos os municípios, nomeadamente o problema da habitação, questões relacionadas com a acessibilidade dos transportes, questões do urbanismo, por isso os temas nacionais, naturalmente, acabam por invadir também o discurso local, não só porque fazem parte das preocupações locais, mas também porque os próprios líderes nacionais dos partidos também se envolvem na campanha”, acrescentam.
A professora Felisbela Lopes, da Universidade do Minho, nas páginas do JN, explica que as eleições autárquicas deveriam ”ser a expressão máxima da democracia de proximidade, mas a campanha eleitoral autárquica tem servido para que os líderes dos partidos imponham uma agenda nacional que asfixia as iniciativas locais. Dir-se-á que os jornalistas condicionam os ângulos noticiosos, mas os responsáveis partidários poderiam inverter esses enquadramentos. E não o fazem”.
Líderes valorizam candidatos
Mas a culpa não é só dos líderes partidários, porque, segundo a professora universitária, ”qualquer candidatura ambiciona ter o respectivo líder do partido consigo em tempo de campanha, porque se acredita que isso é um elemento valorizador, conferindo assim uma dimensão nacional àquilo que é local. Não é bem assim. Nas narrativas dominantes que se constroem a partir dali, remete-se para esferas de invisibilidade o trabalho que, durante meses, os candidatos desenvolveram a visitar associações, a conhecer bairros, a caminhar pelas ruas e a falar com quem por lá passa, bem como os problemas e desafios daqueles lugares”.
Um facto é que a democracia de proximidade, que deveria ser o princípio orientador de qualquer ação política, é muitas vezes engolida por agendas nacionais que esmagam imperiosamente propostas locais. Isso não é muito diferente da lógica que preside à gestão dos municípios portugueses: funcionarem como extensões do poder central. Sem autonomia e sem voz própria que comande realmente o desenvolvimento dos territórios. Ora aí está um tema que deveria ser estruturante nesta campanha eleitoral: a capacidade dos municípios se tornarem o centro (da decisão) do desenvolvimento que ambicionam ter.
Lisboa e Porto as grandes incógnitas
Apesar destas tentativas dos líderes partidários de transformarem eleições autárquicas em nacionais, a realidade das eleições locais demonstram que, à excepção dos grandes centros urbanos, o que interessa é a figura local que se candidata, independentemente dos desejos partidários.
Mas ao contrário do que acontece com outros incumbentes, o atual presidente da Câmara de Lisboa não tem a reeleição garantida. Carlos Moedas e a candidata socialista Alexandra Leitão surgem empatados nas sondagens feitas pela Universidade Católica para a RTP/Antena 1/Público e também na da Pitagórica para a TVI/CNN Portugal/TSF/JN.
“Provavelmente, no domingo haverá muitos eleitores em Lisboa a votarem contra Alexandra Leitão. Ou seja, a prioridade absoluta será impedir que uma pessoa com o perfil da candidata socialista, que é apoiada pela esquerda radical, seja eleita”, admitem os analistas.
No Porto, onde Rui Moreira está de saída após o terceiro mandato, o desfecho destas eleições também é incerto: Pedro Duarte, que lidera a coligação “O Porto, Somos nós” (PSD/CDS/IL), e Manuel Pizarro, que encabeça a lista do PS, estão taco a taco para ganhar a câmara da Invicta, segundo uma sondagem da Pitagórica para a TVI, CNN Portugal, ECO, TSF, JN e Sol.
O que está em causa
Mas afinal o que está em causa. Segundo dados ainda provisórios da Comissão Nacional de Eleições (CNE), em 2025 candidatam-se pelo menos 817 forças políticas e grupos de cidadãos, que apresentaram 12.860 listas candidatas a 3.837 órgãos autárquicos. Nas autárquicas de 12 de outubro, os eleitores vão eleger os órgãos dirigentes de 308 câmaras municipais, 308 assembleias municipais e assembleias de 3.221 freguesias. Outras 37 freguesias vão escolher o executivo em plenários de cidadãos, por terem menos de 150 votantes.
São candidatos 618 grupos de cidadãos eleitores, além das candidaturas de 181 coligações partidárias diferentes e de 18 partidos políticos. De acordo com os números provisórios, no total, às câmaras municipais concorrem 1.588 listas e às assembleias municipais 1.524, além de 9.750 listas a assembleias de freguesia.
O Chega apresentou candidaturas a 307 das 308 câmaras municipais (99,6%), a CDU (PCP/PEV) a 299 (97,0%), o PS (isolado ou em coligação) a 298 (96,7%) e o PSD (isolado ou em coligação) a 293 (95,1%).Segundo os dados reunidos pela CNE, há mais de 300 freguesias que têm apenas uma lista candidata.
Eleitores
De acordo com a Administração Eleitoral da Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna, estavam inscritos nos cadernos eleitorais 9.285.175 eleitores até ao dia 15 de junho.
Estes eleitores são chamados a votar em três boletins: um boletim verde (para a Câmara Municipal), um amarelo (para a Assembleia Municipal) e um branco (para a Assembleia de Freguesia).
Reposição de freguesias
Nestas autárquicas vão ser repostas 302 freguesias que foram agregadas ou extintas nos termos administrativos e territoriais em que existiam antes da reforma de 2012. Deixam de existir 135 uniões de freguesias.
Para o cidadão eleitor, segundo a CNE, só muda a designação da freguesia em que se encontra inscrito. A generalidade dos locais de voto de anteriores eleições permanecerão os mesmos.
Foram criadas comissões de extinção das uniões de freguesia que tiveram de tomar as ações necessárias à extinção, através da atualização dos mapas de pessoal, bens, direitos e obrigações a atribuir a cada freguesia a repor.
Por cada freguesia a repor foi também constituída uma comissão instaladora, que a lei incumbe de preparar a realização das eleições para os órgãos das autarquias locais e de definir as sedes das freguesias a repor. Os atuais presidentes das juntas e os órgãos das uniões de freguesia a desagregar mantêm os poderes e funções até à tomada de posse dos novos órgãos autárquicos e reposição concreta da nova freguesia.
Atualmente são 3.091 juntas de freguesia (o Corvo é o único concelho do país que não tem uma Junta de Freguesia, sendo as competências desta desempenhadas pela Câmara Municipal) e, na sequência das eleições, Portugal ficará com 3.258 (além da situação específica do Corvo).
Em mais de 300 freguesias portuguesas, segundo dados divulgados pela CNE, existe apenas uma lista candidata às eleições, a maioria delas do PSD, pelo que os vencedores são já conhecidos.
Plenários de cidadãos
Em 37 freguesias, as juntas vão ser escolhidas através de plenários de cidadãos eleitores, a realizar no interior das regiões Norte e Centro e nos Açores. Nestas 37 freguesias, os cidadãos recenseados escolhem diretamente a composição da junta.
Estes plenários decorrem nas freguesias com 150 ou menos eleitores, que no dia das autárquicas apenas votam nas urnas convencionais para a escolha dos órgãos municipais.
Nas eleições anteriores, em 2021, 22 autarquias estavam nesta situação e em 2017 apenas seis. O distrito com mais casos é o da Guarda, com 11 casos, mas também ocorrem plenários de cidadãos no distrito de Bragança (oito), Viseu (sete), na ilha açoriana das Flores (cinco), Castelo Branco (três), Vila Real (dois) e um no de Coimbra.
A freguesia com menos leitores é a de Mosteiro, na ilha das Flores, com 27 votantes.
Câmaras municipais
São 89 os presidentes de câmara que estão de saída nestas eleições por terem chegado ao limite de três mandatos consecutivos na mesma autarquia. Dos 89 presidentes de câmara em fim de mandato, 49 são socialistas, 21 social-democratas ou de coligações lideradas pelo PSD, 12 da CDU (PCP/PEV), três do CDS-PP e quatro independentes.
Além destes, outros 46 que também estavam no limite dos mandatos já deixaram os cargos, sobretudo desde as eleições legislativas e europeias de 2024, para ocuparem lugares no Governo, como deputados na Assembleia da República ou na Europa e outros cargos públicos: 28 do PSD ou coligações social-democratas, 16 do PS, um CDU e um do Juntos Pelo Povo (JPP).
Devido à limitação de mandatos, pelo menos oito dos presidentes de câmaras municipais que têm de deixar os municípios a que actualmente presidem decidiram candidatar-se a concelhos vizinhos. Quatro deles são socialistas e outros quatro da CDU.
Mais de 30 antigos presidentes de câmaras municipais, alguns eleitos pela primeira vez há mais de 20 anos, voltam este ano a candidatar-se, entre os quais Maria das Dores Meira, independente com o apoio do PSD, que se candidata à Câmara de Setúbal, onde foi presidente entre 2009 e 2021, pela CDU.
Outro candidato de regresso é Luís Filipe Menezes, antigo presidente do PSD, que é candidato a Vila Nova de Gaia (distrito do Porto), município a que presidiu durante quatro mandatos (1997, 2001, 2005 e 2009), sempre com maioria absoluta.
Nas freguesias, segundo a Associação Nacional de Freguesias (Anafre), mais de 400 presidentes têm de sair devido à limitação de mandatos, incluindo 18 dos 21 dirigentes que compõem o atual conselho diretivo da associação.