O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa aplicou uma multa de um milhão de euros à Câmara de Lisboa no caso Russiagate. Em causa está a partilha, por parte da autarquia, na altura presidida por Fernando Medina, de dados pessoais de activistas russos com entidades externas.
O Tribunal Administrativo de Lisboa condenou, esta quarta-feira, a Câmara Municipal de Lisboa a uma coima de mais de um milhão de euros no chamado caso Russiagate. O organismo considerou que várias das contraordenações ligadas ao caso — que envolve a divulgação de dados de manifestantes anti-Putin às autoridades russas — já prescreveram. Mesmo assim o executivo, que era, na altura, liderado por Fernando Medina (PS), foi condenado a pagar uma coima de 1.027.500 euros.
A prescrição destes crimes fez a autarquia beneficiar de um desconto de 222,5 mil euros, adianta o jornal Observador, que avançou a notícia, confirmada entretanto à Renascença pela Câmara Municipal de Lisboa.
A multa, que remonta ao tempo de Fernando Medina como presidente da câmara, foi aplicada na sua totalidade em janeiro deste ano. O atual chefe do executivo municipal, Carlos Moedas, recorreu da decisão.
O antigo presidente da Câmara, Fernando Medina, não quis comentar.
Moedas pondera recorrer
Em reação à notícia, o atual presidente da Câmara Municipal de Lisboa fala numa “herança pesada” deixada pelo anterior executivo socialista. Em resposta aos jornalistas o gabinete de Carlos Moedas, confirma que a autarquia recebeu a notificação do tribunal e que a multa ultrapassa o valor de um milhão de euros. Sobre o que se segue, o atual executivo da CML revela que está a ponderar se vai recorrer ou não.
“Em defesa dos interesses dos lisboetas, a Câmara Municipal encontra-se a avaliar se irá recorrer da decisão judicial agora conhecida”, pode ler-se numa nota enviada.
Já quando a coima foi aplicada pela CNPD, em janeiro de 2022, Moedas emitiu na altura um comunicado a colocar o ónus no executivo socialista, utilizando mais ou menos a mesma expressão. “Esta decisão é uma herança pesada que a anterior liderança da Câmara Municipal de Lisboa deixa aos lisboetas e que coloca em causa opções e apoios sociais previstos no orçamento agora apresentado. Vamos avaliar em pormenor esta multa e qual a melhor forma de protegermos os interesses dos munícipes e da instituição.”
O Executivo de Carlos Moedas tentou, ainda assim, recorrer dessa decisão e impugná-la para poupar dinheiro aos cofres da autarquia, o que só foi “parcialmente” aceite pelo tribunal. Os juízes consideraram que 222.500 euros dizem respeito a contraordenações que já prescreveram, mas decidiram condenar a autarquia a pagar o restante valor: 1.027.500 euros.
Na sentença do Tribunal pode ler-se que o “conjunto de operações sobre informação relativa a pessoas singulares” teve “necessariamente impacto na privacidade e na liberdade daquelas e tinha obrigação de conhecer o enquadramento legal em que poderia de facto realizar esse conjunto de operações e de conformar os procedimentos e atuações face às regras e princípios do RGPD”.
Para os juízes o município de Lisboa “agiu de forma livre, deliberada e consciente, ao proceder à remessa das cento e onze comunicações eletrónicas (…) para os serviços do Município de Lisboa, os quais não tinham necessidade de conhecer aquela informação pessoal para a preparação e execução das tarefas públicas, bem sabendo que a sua conduta era proibida e sancionada por lei”.
Ksenia Ashrafullina é uma das visadas neste caso de partilha de dados pela Câmara de Lisboa – que enviou esses dados para a Rússia. Perante esta sentença, a ativista diz ter dúvidas sobre a aplicação da coima.
Questionada sobre se considera que devia receber uma parte desta coima, Ksenia Ashrafullina afirma que sim, uma vez que estes manifestantes “perderam uma grande parte da vida e não podem voltar para a Rússia”.
O que é o Russiagate?
O caso remonta a junho de 2021, altura em que o jornal Observador revelou que a Câmara Municipal de Lisboa – na altura liderada por Fernando Medina – tinha divulgado dados de manifestantes anti-Putin ao governo russo.
Tratava-se de um e-mail enviado pela Câmara de Lisboa à embaixada russa em Lisboa e ao Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia. Nesse mail constavam os nomes, as moradas e os contactos telefónicos de três manifestantes que tinham organizado e marcado presença, em janeiro desse ano, numa manifestação em frente à embaixada russa em Portugal.
O protesto tinha sido organizado para contestar a detenção de Alexey Navalny, um opositor de Vladimir Putin que acabaria por morrer – morte que a comunidade internacional atribuiu ao regime do Kremlin.
O caso fez tremer o executivo socialista, que assumiu o erro e escaldar a oposição. Fernando Medina acabaria por exonerar o encarregado de proteção de dados da Câmara Municipal de Lisboa, Luís Feliciano, que viria a ser contratado por Carlos Moedas para o seu gabinete.