Em streaming, na Netflix, está a ser transmitido um documentário sobre Ayrton Senna (falecido em 1994, no Grande Premio de San Marino), que venceu a primeira corrida de F3 sancionada pela FIA no Grande Prémio de Macau, em 1983. Acresce que Rui Marques, que desde 2014 tem desempenhado funções de director de corridas no Grande Prémio de Macau, acabou de ser nomeado director de corridas da Fórmula 1, depois de passar pela Fórmula 2 e Fórmula 3.
Achei que era altura para fazer um breve levantamento da história do GPM, para já apenas até à transferência de soberania de Portugal para a RPC. Devo referir que nos últimos estão a existir algumas alterações na estrutura da prova, que merecem referência autónoma.
A ideia do Grande Prémio de Macau nasceu em 1954, no restaurante do Hotel Riviera, quando os amigos Fernando Macedo Pinto, Carlos da Silva e Paulo Antas resolveram “animar a monotonia de Macau” com uma gincana, numa altura em que poucos carros transitavam no Território. Também há quem diga que queriam organizar a descoberta de um tesouro…
A meio do Minchi (acepipe macaense que mistura carne picada, batata frita cortada em cubinhos pequenos, um ovo estrelado e arroz), tiveram a ideia de convidar Paul duToit, um suíço residente em Hong Kong e ligado ao automobilismo, para experimentar um percurso de seis quilómetros e duzentos metros, que passava pela ampla marginal asfaltada e com subidas e descidas em empedrado, que viria a ser o Circuito da Guia.
Tudo indica que o interesse do suíço resultou pelo facto da Ásia estar a sair de uma recessão profunda e prolongada após o fim da Segunda Guerra Mundial, com as boas notícias que vinham da Europa sobre a Fórmula Um e o desporto motorizado em geral a contrastarem com a impossibilidade de se organizar uma corrida de automóveis a sério em Hong Kong. Os jovens condutores que se reuniam aos fins de semana em Salisbury Road, na Península de Kowloon, contentavam-se com uns insuficientes “speed trials” em carros ligeiros, mesmo assim com medo da polícia.
A verdade é que o Governador da Província, Almirante Joaquim Esparteiro, gostou da ideia e com a colaboração da delegação de Macau do Automóvel Club de Portugal, criou condições para que se organizasse uma prova, que foi ganha por um português radicado na ex-colónia britânica, Eddie Carvalho, num Triumph TR2, que hoje está exposto no Museu do Grande Prémio. O único macaense que correu na prova foi Fernando Macedo Pinto, um dos quatro amigos da tertúlia do Hotel Riviera, que guiou o seu MG Special ao quarto lugar.
Só 12 anos depois da primeira edição, em 1966, é que a prova contou com a participação de um piloto residente na metrópole, Joaquim Filipe Nogueira, que concorreu num Lotus 22 emprestado por um amigo de Teddy Yip, sócio de Stanley Ho na poderosa Sociedade de Jogos de Macau. Ao participar na corrida de Fórmula 3 da 35ª edição do Grande Prémio, em 1988, António Simões foi o primeiro piloto profissional português a competir no evento da “Pérola do Oriente”.
Em 1987, o 34º Grande Prémio de Macau constituiu talvez o maior desafio à capacidade de decisão da Comissão Organizadora. A semana começou com dias de sol, mas depois houve ameaças de um tufão. Na quinta feira, depois de algumas das voltas à pista, sem grande problema, o tempo alterou-se bruscamente com a queda de 12 graus! Na manhã de sexta, o NINA abateu-se com toda a sua força. As bancadas em bambu sofreram danos irreparáveis, quase todos os painéis publicitários estavam por terra e a pista completamente alagada. Impossível haver corridas. Em desespero de causa, no sábado, uma delegação da Comissão Organizadora foi à residência oficial do Governador, pedir autorização para se efectuar provas na Segunda Feira.
Do amigo Victor Jorge, antigo membro da Tuna Macaense e amante das corridas do GPM, recebi as seguintes achegas, sobre a presença de corredores portugueses nas diversas provas:
Ni Amorim foi o segundo piloto da metrópole a “descobrir” o circuito das sete colinas. Ainda em 1989, já na altura um piloto de referência das corridas nacionais de Turismo, o piloto da cidade do Porto fez a sua estreia na Corrida da Guia. Depois de Eddie Carvalho, que venceu a primeira edição em 1954, André Couto foi o único piloto português, que correu com as cores de Macau, a vencer a prova rainha do GPM, em 2000. Danilo Antunes, uma personagem incontornável da vida de Macau, conseguiu em 1987 reunir verbas para alinhar à partida da principal corrida de Turismos da sua terra Natal com um Mitsubishi Lancer Ex Turbo 1800, um carro alugado à PKK Racing de Nick Cheang e que um ano antes tinha participado no Rally Hong Kong-Pequim. O piloto luso Pedro Matos Chaves foi campeão em 3 modalidades (1986 – 1990) – 1991, depois passou para a F1 mas não teve sucesso. Em 1992, Pedro Lamy esteve muito próximo de se tornar no primeiro português a vencer o Grande Prémio de Macau de Fórmula 3, tendo terminado no segundo lugar numa prova que teve um final muito polémico, em que uma bandeira amarela deu a vitória a Rickard Rydell.
Um nome a realçar é o de Costa Antunes, diretor do Turismo de Macau entre 1988 e 2012, que tudo fez para devolver o Grande Prémio de Macau aos macaenses. O GPM nasceu, cresceu e viveu ao longo das primeiras décadas com muita condescendência e apadrinhamento de Hong Kong, especialmente do Hong Kong Automobile Association, que sucedeu ao Motor Sport Club de Hong Kong.
Tudo o que se fazia passava por Hong Kong. Todos os cargos importantes estavam nas mãos de pessoal do território vizinho. Todas as decisões vinham do Fragrant Harbour. Faziam-se as corridas que Hong Kong queria. Desde as relações públicas, até ao fornecimento de pneus, à escolha e contratação de pilotos e equipas, os comissários e o pessoal com capacidade de decisão vinham de Hong Kong, ou através de Hong Kong (citamos o jornal macaense O Clarim).
Costa Antunes, aos poucos, foi-se rodeando de uma equipa competente, que transformou todas as actividades do Grande Prémio de Hong Kong disputado em Macau, num verdadeiro Grande Prémio de Macau. O presidente do Automóvel Clube de Macau desses tempos, um dos meus companheiros de aventuras ligados ao GPM (o outro é o médico Fernando Silva), foram seus colaboradores desde o inicio. Sublinhe-se que também o Automóvel Clube de Portugal formou comissários para todas as tarefas do GPM.
Como nota final, informamos que o Museu do Grande Prémio de Macau, inaugurado a 18 de novembro de 1993, sob a tutela da Direcção dos Serviços de Turismo (DST), vai organizar uma série de actividades subordinadas ao tema do Grande Prémio de Macau (GPM),onde se inclui: lançamento de novo livro sobre a história do karting, exposição de carro de corrida de chocolate, sessões de partilha de experiências entre pilotos e equipas. E em 3 de fevereiro de 2025, a “A Racing Legacy – Drivers’ Collection Exhibition” na cave do Museu do Grande Prémio de Macau, divulgará a história do Grande Prémio de Macau, com uma mostra onde exibe o valioso espólio de pilotos patrocinados pela SJM, incluindo capacetes, luvas, fatos de corrida e roupas de equipa. Entre as peças expostas estão capacetes autografados e luvas dos antigos vencedores do GPM, Alex Lynn e Felix Rosenqvist, e de actuais pilotos de Fórmula 1 e de Fórmula 2.
Neste ano de 2024, visitaram Macau mais de 50.000 turistas, atraídos pelo GPM. Voltando a recuar 25 anos, lembro-me que para quem não gostava de barulho e de turistas a mais, havia duas épocas em que se ficava em casa ou se saía do território, muitas vezes para Hong Kong. A colónia britânica não tinha Grande Prémio e era proibido, nas celebrações do Novo Ano Chinês, lançar panchões, após os motins desencadeados no Verão de 1967, promovidos por simpatizantes da Revolução Cultural Chinesa. Motores a roncar e retumbar de artefactos coloridos não era do agrado de todos… hoje em dia a situação deve ser semelhante…
Longa Vida ao GPM e ao desporto automóvel em Macau!