O 25 de abril de 1974 começou por ser um golpe de estado levado a cabo pelos militares, mas que, com o apoio quase total da população, se transformou numa revolução. Existe revolução quando a sociedade se altera qualitativamente, de forma violenta ou pacífica, embora sempre acompanhada de instabilidade (confronte-se, a título de exemplo, a Revolução Francesa com a Revolução Industrial). Normalmente a sociedade passa por um processo onde essas alterações, políticas, económicas e culturais, vão acontecendo gradualmente, com avanços e recuos, o chamado processo revolucionário
O 25 de novembro foi uma das datas marcantes do processo revolucionário português, como também foram a declaração do direito à independência das colónias em 27 de julho de 1974, o 11 de março de 1975 ou a realização das primeiras eleições livres para a Assembleia Constituinte, em 25 de abril de 1976, de onde sairia a Constituição Portuguesa de 1976.
Foram anos agitados, em que se desenrolaram as referidas ”alterações qualitativas“ na sociedade portuguesa, como a nacionalização da banca e da indústria pesada, a aplicação da Reforma Agrária, com os terrenos e herdades a serem ocupados pelos trabalhadores agrícolas, a organização da sociedade civil em comissões de moradores e as campanhas de dinamização cultural do MFA, entre muitos outros movimentos que tentavam cortar com o regime autoritário anterior.
O país “vivia à esquerda”: o jornal da juventude do PPD/ PSD, com Paulo Portas como diretor adjunto, designava-se “Pelo Socialismo”; no antigo artigo 2º da Constituição de 1976 afirmava-se que a República tinha por “objetivo assegurar a transição para o socialismo mediante a criação de condições para o exercício democrático do poder pelas classes trabalhadoras”; o Partido Comunista português fazia parte dos governos provisórios…
Eu vivi grande parte desses tempos conturbados. Havia agitação, sedes queimadas de partidos de esquerda e de direita, exageros de parte a parte, mas nunca dei conta de que haveria forças que gostariam de transformar Portugal numa espécie de república soviética, nem que existissem civis armados com esse intuito. Nunca vi nenhuma nem conheço ninguém que confirme essas acusações. A existirem, por onde andarão???
Escrevo hoje, 25 novembro de 2024, e custa-me ver transformar uma data, no meio de muitas, como tão importante como o 25 de abril, com celebração semelhante na AR. Significativamente, vários dos intervenientes considerados “vencedores” desse dia não estão presentes na celebração: os representantes do Grupo dos e da Associação 25 de abril, bem como o PCP. Não porque neguem a sua importância, mas porque não dão o significado que a direita lhe atribui. Álvaro Cunhal, no seu livro “A Verdade e a Mentira na Revolução de Abril”, escreve que o 25 de novembro acabou por ser a vitória da cordialidade, ao impedir a ilegalização do PCP e a sua manutenção no governo, bem como a realização de eleições livres.
O 25 de abril, dia da Liberdade, aconteceu na sequência de diversas lutas do povo português por melhores condições de vida, designadamente dos trabalhadores e estudantes, e que se prolongaram até ao dia da liberdade. Entretanto em 1961 – o chamado Ano Horrível de Salazar – aconteceu o começo da guerra em Angola, a Índia ocupa as possessões portuguesas de Goa, Damão e Diu e abre a primeira brecha no império colonial português, desenrola-se uma tentativa de golpe de Estado, um navio de passageiros, o Santa Maria, é assaltado e ocupado durante duas semanas, um avião da TAP é desviado e no último dia do ano, uma tentativa de assalto a um quartel por membros da oposição ao regime resulta na morte de um membro do governo. A generalidade dos portugueses tomava contacto com os acontecimentos através do filtro da Censura. Vigorava o Estado de proibição.
Desde 1976 até aos dias de hoje a história do país não parou: criação do SNS em 1979, surgimento dos PALOPS, integração na União Europeia, alterações à Constituição, concentração dos meios de comunicação social e vários outros fluxos e refluxos democráticos. A nível internacional a imprevisibilidade é total e o perigo das guerras escalarem existe. A história não para, mas talvez seja altura para apostar na cordialidade!