Para os senhores que por aí andam, absortos nas suas vidas de uma banalidade confrangedora, trago novidades do universo da hipocrisia bem-intencionada. Preparem os lencinhos perfumados e as pastilhas para o coração, porque o mundo civilizado está a desmoronar sob o peso da sua própria lamechice.
Já repararam como estamos em pleno apogeu da era das susceptibilidades? A Disney, esse bastião da moralidade contemporânea, decidiu que os queridos anõezinhos da Branca de Neve são agora “seres mágicos de estatura compacta”. Não fossem os verdadeiros anões sentir-se diminuídos – e a ironia desta frase é absolutamente intencional.
Entretanto, os progenitores modernos, coitados, sofrem do mal do século: o “esgotamento parental”. Já não é cansaço por ninguém dormir ou por as crianças correrem como desalmadas. Não, senhores. É uma condição clínica que requer terapias, livros de auto-ajuda e páginas de Instagram dedicadas. Os rebentos, esses malandrecos, já não são traquinas ou irrequietos – são “portadores de energia excessivamente dinâmica”.
À mesa, então, a confusão atinge patamares cómicos. O Jorge recusa-se a comer brócolos? Não é esquisitice, é uma “necessidade específica de nutrição”. A Maria não gosta que os alimentos se toquem no prato? Não é uma birra, é “sensibilidade táctil-alimentar”. E os adultos que seguem dietas mirabolantes? São “investigadores nutricionais autodidactas”.
Nas escolas, as negativas desapareceram como por magia. Ninguém “chumba” – está apenas “em processo contínuo de aprendizagem”. Os professores já não põem os alunos na rua – convidam-nos a “reflectir num ambiente alternativo”. E os palavrões? Tornaram-se “expressões de intensidade emocional não-filtrada”.
Até a política se rendeu a esta nova linguagem. Os políticos corruptos são agora “gestores com flexibilidade ética” ou, como sugeri, “pessoas temporariamente com ausência de consciência social de virtudes”. Os impostos abusivos são “contribuições solidárias para o bem comum”. E as promessas eleitorais não cumpridas? “Aspirações adaptáveis ao contexto socioeconómico”.
No reino das relações sociais, ser-se chato passou a chamar-se “ter uma personalidade selectivamente sociável”. Não responder a mensagens é praticar “gestão intencional da comunicação”. E terminar um relacionamento? É iniciar uma “jornada de redescoberta pessoal”.
Se este caminho continuar, brevemente diremos adeus ao simples “bom dia”. Poderá ser interpretado como um “julgamento temporal opressivo” para quem está a ter um dia mau ou uma “imposição de valores optimistas” sobre quem sofre de pessimismo crónico. Qualquer dia, os tribunais estarão entupidos com processos de pessoas ofendidas porque lhes desejaram felicidades nos anos.
Mas, vejam só, talvez exista um ponto de luz no horizonte desta sopa de eufemismos absurdos. À medida que o vocabulário se contorce para não ferir sensibilidades, também nós nos tornamos mais conscientes das palavras que usamos. Como diria José Saramago, “as palavras são pedras tocadas pelo tempo”. Ou como escreveu Alexandre O’Neill, “é urgente inventar alegria”.
Quem sabe se, entre tantos rodeios linguísticos e sensibilidades à flor da pele, não acabaremos por encontrar formas genuinamente mais gentis de comunicar. Enquanto esperamos por esse milagre, sugiro que nos deleitemos com a comédia involuntária deste circo vocabular, esta valsa de eufemismos que transforma a realidade numa novela mal traduzida.