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O Caminho Marítimo para a Lua

Concidadãos e concidadoas: Portugal enfrenta este século com um novo desígnio, resfolegante e murmurado nas faldas dos rios, na fímbria do mar, nas costas de um ciclista da Glovo. É nossa obrigação esfacelar faces, acordar sestas, lutar contra o cheiro a alho e a cárie. Pois que vamos voltar a navegar por águas desconhecidas e conquistar, domar, nacionalizar a Lua.

O projecto começou ontem a ser apresentado no Parlamento e ao leme da Nau “Marco Paulo” estará nada mais, nada menos, que o grande marista (oceanista?) Luís de Montenegro. Atrás dele mais 230 homens e mulheres, prontos para pegar as velas, os remos, o motor fora-de-bordo, o combustor a combustível. Admirai-vos, gentios, pois o regresso às rotas nunca dantes navegadas tão mal se mostram já na discurseta de lançamento da primeira pedra da Nau! Pois que ontem e hoje e mais haverá novas de tanta alegria que o povo, à uma, levantará as estátuas dos egrégios avós para que sirvam na primeira base lunar, de onde a Lusitânia nação lançará foguetões de renda e naves espaciais da melhor cortiça rumo a Marte, a Vénus, a Buda, aos esconderijos do Hammas e à Capela Celestina, ao lado da outra, em Roma.

Como sabemos isto? Pois que outra riqueza não haverá neste território mundial do que fugir em beleza e sem prantos. Ora não ouvistes que o desemprego cresce como um texugo? Que o crescimento económico do país vai andar tanto para trás que já nem se vê a cauda. Atentastes no número incomensurável de despesa pública que nos vai calhar? E se somares o bodo aos pobres e aos ricos, sabei que Luís de Matos, a mago magnífico, fará desaparecer esses gastos todos, ao empurra-los para dentro de um caixão e, num passe, vuuupt!, não haverá mais aumento de dispensas nem despesas.

Arrota está traçada. Na Lisnave ouvem-se já os cantadores de outrora e os rapistas de agora. Sem euro para mostras, a nota de cinco, a que sobrar, deus la garde, para uma emergência. Cantaria com mais alegria, agora, o bom do Fausto: “Vai ao fundo? Vai ao fundo. E vai ao fundo sim senhor!”.

Numa fúria transformadora, será rechamado à terra o satélite PoSat, que faziam “pim”, e será relançado da Guiana Francesa a ver se consegue fazer “pilim, pilim”. Todas as antenas parabólicas deverão ser viradas para o satélite celtibero, para apanhar, como guarda chuvas, pataca a ti, pataca a mim. Dividendos? Nunca mais. Dividendos é para gente que não sabe estar unida à volta do tacho, a partilhar roupa velha que nem a Zara já há.

Baterão as doze na torre de Belém, nascerá um menino na ambulância, para o nosso bem. Em cima da azinheira um pastor e por baixo, nos rebentos de salva e lúcia lima, um banqueiro encarquilhado suplica que lhe chamem de doutor. Afina rota, aponta para Plutão, dá duas voltas ao défice e raspa o pelo ao cão.

Com Pacheco Pereira a perorar nos Restelos hertzianos, perto do porto espacial construído por humanos, aí subirá, à uma, o povo de Portugal! Encharcado e desconchavado no orçamento nacional – que nem esperanças deixou, a não ser a pobre Nau.

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Joao Vasco Almeida
Joao Vasco Almeida
Jornalista, autor, (pré-agricultor).

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