Em 14 de maio de 2024, a 12ª Comissão de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto da Assembleia da República (AR) recebeu em audiência (Nº 2-CCCJD-XVI) representantes do Fórum Cidadania Lx, do MAPA – Movimento de Ação pela Proteção do Azulejo e do Azulejo Publicitário Português. Pretendiam estas entidades sensibilizar os deputados para a “necessidade de reconhecer o Azulejo como património identitário de Portugal e de alterar a Lei n.º 79/2017, de modo a torná-la mais eficaz na salvaguarda do património azulejar”, considerando-a – tal como está – “uma lei inócua”.
Na exposição apresentada, considerava-se “urgente a necessidade de a Assembleia da República proceder a uma alteração da Lei n.º 79/2017, de modo a torná-la mais eficaz na salvaguarda do património azulejar”, propondo-se, entre outras, a extensão da lei aos azulejos de interior, a inventariação do património azulejar por concelho, o envolvimento da PJ (Brigada de Obras de Arte) mesmo quando não estejam em causa azulejos classificados de interesse público, e a regulação quer do destino a dar aos azulejos retirados dos edifícios como do recurso/restrições à utilização de réplicas. A gravação da audiência pode ser visionada em Aqui.
No diagnóstico apresentado à 12ª Comissão da AR, as referidas entidades referiam “o empobrecimento progressivo do nosso Património Azulejar” devido ao carácter extremamente discricionário e subjetivo da cláusula que permite às Câmaras Municipais autorizar, em casos devidamente justificados, a remoção definitiva de azulejos de fachadas, “em razão da eventual ausência ou diminuto valor patrimonial desses azulejos”. Na opinião das entidades, “a regulação em vigor resume-se a um código de conduta” e omite a vontade de classificar o Azulejo como Património Mundial.
Mais chamavam a atenção para o facto de “ao ser removido do seu local original, o azulejo deixa de ser Património Integrado e passa a ser um bem transacionável e não enquadrável pela legislação existente sobre o Património Móvel Nacional”. Entre os casos que deveriam merecer atenção especial e prioritária, estariam os azulejos publicitários e os dos conjuntos incluídos na Carta Municipal do Património (Arquitetura de Transição, Arte Nova, Art Déco e Modernismo). Desconheço o seguimento que a 12ª Comissão da AR deu a esta audiência e exposição, às quais foi atribuído um “caráter de urgência”.
Vários concelhos aprovaram em Assembleia Municipal alterações aos respetivos regulamentos de urbanização e edificação, prevendo a aplicação da Lei n.º 79/2017, de
18 de agosto (que altera o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro), mormente no que respeita à proteção do património azulejar. No de Vila Nova de Famalicão, por exemplo, prevê-se não só a regra de “interdição da demolição de fachadas revestidas a azulejos de qualquer edifício”, como até a “reconstituição do revestimento azulejar [fundamentada em estudo histórico] prejudicado por efeito de destacamento, queda e perda ou de ações criminosas, como roubo, furto e vandalismo, ou de outras causas”.
Mais se prevê que “as operações [sobre azulejos] devem ser efetuadas por técnicos habilitados para o efeito e de modo a garantir que não resultem danos para os referidos azulejos. O uso de réplicas é admissível, mas deve ser limitado ao estritamente necessário para repor a integridade do revestimento”. Complementarmente à Lei n.º 79/2017, definem-se os critérios para a avaliação do valor patrimonial relevante de azulejos de fachada. São eles o “Valor Artístico” (azulejaria de autor, origem do fabrico e valor estético intrínseco), a “Raridade e Singularidade”, o “Significado Histórico” (antiguidade e valores intangíveis associados ao edifício) e o “Contexto da Aplicação” (articulação com a arquitetura do edifício e com outros conjuntos azulejares).
No caso concreto do edifício histórico do Mercado Municipal de Abrantes (antigo mercado coberto ou diário de frescos), cuja demolição foi aprovada pelo executivo municipal socialista (com o voto favorável do PSD e o voto contra do Movimento ALTERNATIVAcom), não devem restar dúvidas de que estes critérios – ou parte substancial e determinante deles – se lhe aplicam inteiramente e que só por má fé se poderá fazer uma interpretação ultra-restritiva da Lei, suficiente para destruir ou remover os dois Painéis de Azulejos que encimam as duas fachadas principais do referido edifício (ler minha crónica anterior).
Assim, não só são conhecidos o fabricante, as datas de produção e instalação (estima-se que entre 1948 e 1953, quando o mercado foi requalificado, depois de inaugurado em 1933), o valor histórico, estético e simbólico dos referidos Painéis de Azulejos – verdadeira obra de arte cheia de significado extrínseco e intrínseco (bem documentado no artigo da professora Teresa Aparício publicado no n.º 35 da Revista Zahara, edição de julho de 2020) – e o contexto da aplicação (articulação com a arquitetura modernista do edifício), como é inquestionável a sua raridade e singularidade, uma vez que foram criados exclusivamente para a finalidade em apreço. Concluo, sublinhando que os Azulejos do Mercado são património identitário de Abrantes e de Portugal, e que, antes de ser uma obrigação legal, a sua preservação é um dever ético-cultural.