Faleceu recentemente um escritor peruano que, confesso, só conhecia de nome, nunca tendo lido nenhum dos seus livros. Consciente da ignorância que representa desconhecer um autor que, em 2010, ganhou o Premio Nobel de Literatura, com a Academia a justificar que a honra lhe era concedida “pela sua cartografia de estruturas de poder e suas imagens vigorosas sobre a resistência, revolta e derrota individual,” ainda mais curioso fiquei e resolvi descobrir o que estas palavras significavam.
Sabia que inicialmente fora simpatizante do socialismo e admirador de Fidel Castro, mas que veio a adotar posições liberais, a ponto de se candidatar à presidência do seu país por uma coligação de centro direita, em 1990. Será que aprofundar as razões para esta mudança ideológica ajudaria a perceber o seu pensamento e obra? Na verdade, de uma posição socialista, transitou para a exacerbação do individualismo e da propriedade privada e, portanto, do próprio mercado. Por mero acaso, peguei numa obra que me desvendou um pouco dessa supervalorização do indivíduo em contraste com o coletivo, embora por caminhos um pouco enviesados: “Os Cadernos de Don Rigoberto”, obra editada em 1997.
Inesperadamente, deparei com uma das obras mais eróticas que me foi dado ler! Deixei-me levar por esta lado da sua obra, adiando a questão da opção política. Lembremos apenas que em 12 de fevereiro de 1976, o Palácio de Belas Artes da Cidade do México foi palco de um dos “socos mais famosos da literatura”. Naquele dia, Vargas Llosa atingiu o rosto de Gabriel García Márquez, não só deixando seu olho direito roxo, mas acabando com a amizade entre o peruano e o colombiano. Divergências profundas sobre a Revolução Cubana. Os cadernos do personagem principal estão repletos de anotações, em que aparecem fantasias eróticas, cartas e reflexões. Mas há uma história que me prendeu de forma especial, onde seis desejos diferentes, vividos por cada personagem individualmente, acabam por se entrelaçar e alcançar prazer supremo: o prazer de se fazer desejar, o prazer de apenas poder desejar, o prazer de contar o que aconteceu, o prazer de quem ouve a história, o prazer de quem descreve a ação e o prazer do leitor.
Curiosamente, estou também a ler outro interessante livro, este de Juan Gabriel Vásquez, “A Tradução do Mundo”, o que me levou a juntar outro prazer: o de tomar o lugar do autor e lembrar o que ouvi ou li algures, não sei onde, talvez num moral em Callao, no Peru (onde nunca fui), verdadeiro epicentro da arte urbana. Como Robinson Crusoe tomou o lugar de Daniel Defoe, náufrago e verdadeiro autor do romance, mas que não surge mencionado em parte alguma do livro, declaro que as linhas que se seguem, apesar de verdadeiras, não são da minha autoria. Ficção e fingimento, qual a diferença?

Assim percebemos melhor o que, para Vargas Lloza, representa o individualismo. Nas palavras do próprio numa entrevista ao jornal Folha de São Paulo em 1997 “O erotismo expressa a individualidade em estado puro. Em tudo o mais, talvez, os seres humanos podem se parecer. Na hora de fazer amor, cada um expressa as suas próprias fantasias, as suas experiências mais pessoais, a sua criatividade”.
Gosto. Mas nessa mesma entrevista, Llosa destapa um pouco mais do seu pensamento, que se manifesta, no meu entender, como reacionário e mesmo supremacista, assim clarificando (e me fazendo entender) a sua alteração ideológica: “Creio que, se há um elemento protagonista do que chamamos civilização, é o erotismo. Porque o erotismo só existe em sociedades que alcançaram um alto nível de civilização. Quanto mais primitiva uma sociedade, menos erótica ela é. O amor numa sociedade primitiva está muito próximo da cópula animal, da satisfação do instinto reprodutor, enquanto nas sociedades que chamamos civilizadas o amor foi se enriquecendo, refinando e humanizando graças à imaginação e às formas rituais, a uma certa teatralidade”. O texto que acompanha a figura não podia ser de Vargas Lloza…