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O estranho caso do “Nome Morto”

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Poirot ou Sherlock Holmes não dariam por ele. Afinal, a vítima continuaria viva mas o nome, esse, suicidado pela vítima anos antes. Por mais ciência forense que se aplicasse, o “Nome Morto” não estaria numa maca para autópsia nem haveria velório ou funeral. Era, e é, uma vítima de suicídio, embora sem morrer – apesar da nomenclatura escolhia.

O que estou para aqui a dizer? Explico.

Na comunidade LGBT (a que inclui pessoas homo ou bissexuais, e mais ainda), a expressão “nome morto” refere-se ao nome de nascimento ou registro civil de uma pessoa transgénero ou não-binária que já não reflete sua identidade de gênero. Esse nome muitas vezes é substituído por um nome social, que é escolhido pela pessoa e condiz com quem ela realmente é.

O uso do “nome morto” pode ser uma experiência dolorosa e desrespeitosa, pois pode remeter à negação da identidade da pessoa e evocar lembranças de momentos difíceis, como a rejeição ou discriminação. Por isso, é considerado uma prática respeitosa perguntar ou usar apenas o nome que a pessoa utiliza atualmente e evitar mencionar ou usar o “nome morto” sem necessidade.

Compreendido? Carlos sempre se sentiu uma mulher. Há lá o dia em que decide assumir isso publicamente, sem drama nenhum, e anuncia que se passa a chamar Carla. Assim sendo, “Carlos” é o “nome morto”. E se alguém insistir em chamar-lhe Carlos, apesar da sua frondosa beleza como Carla, isto pode, repito, “ser uma experiência dolorosa e desrespeitosa, pois pode remeter à negação da identidade da pessoa e evocar lembranças de momentos difíceis, como a rejeição ou discriminação”.

Ora bem, vamos ver.

Consigo compreender que Carlos e Carla são dois lados. O que me custa engolir é a expressão “Nome Morto”. Parece-se, e isto é um ‘achismo’, que a escolha do adjectivo “morto”, de tão brutal, quer também matar Carlos como pessoa, não apenas o nome. Soa-me que todos os momentos vividos por Carla enquanto Carlos foram altamente dolorosos, contranatura, confrangedores – e mal pôde Carlos mudar para Carla, se fez grande sepultura do nome mas também de uma persona e de um modo de estar que magoava.

O “Nome Morto” não é mais do que a completa rejeição do passado, toda ela cheia de rancor e ódio, principalmente se a transição foi difícil e não apoiada pelos mais próximos. Imagino um rapaz que se sente rapariga com uns pais conservadores, a tentar matar pela raiz o que acham uma vergonha: se tiveram um filho, é macho. Deus os livre de terem naquele filho uma pessoa diferente. É por isso que compreendo que se chame “Nome Morto”, mas a expressão não é gratuita. É também para apontar o dedo a quem nunca compreendeu quem se sente mal com o sexo e o género a que pertence.

Abomino, no entanto, a expressão. “Nome Passado”, “Nome Anterior”, “Antigo Nome” seriam todas aceitáveis. “Morto” é uma coisa passiva-agressiva. E, naturalmente, abre uma frente de sensibilidade enorme a quer de Carlos se fez Carla e os outros continuam, ser qualquer consideração, a manter o Carlos – muitas vezes por pura maldade.

Proponho que a comunidade LGBT se interesse mais por estes fenómenos, que os estude mais, em vez de andar a exigir casas de banho assim ou assado. Nas tascas e nas discotecas, nos bares e nos restaurantes, este vosso quando a próstata aperta passa logo a ver o sinal de “Entra Aqui!”. Já levei uns sustos, mas ao menos estava aliviado.

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Joao Vasco Almeida
Joao Vasco Almeida
Jornalista, autor, (pré-agricultor).

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