Caros leitores, preparem-se para mais um episódio do grande circo internacional, onde as negociações de paz são tão autênticas quanto um relógio de marca comprado por três tostões na Feira da Ladra. Os domadores deste espectáculo, figuras de cartola e chicote, exibem-se como os salvadores do mundo, enquanto o bobo da corte faz piruetas com promessas ocas e os seus adversários atiram facas ao ar, na esperança de que caiam em algum lado que impressione. E nós, o público, batemos palmas, extasiados com a ilusão, sem reparar que, lá fora, o planeta crepita em chamas.
Mas o cartaz não acaba aqui. Enquanto nos deleitamos com este número de variedades, há outros palcos onde o drama é bem mais negro. No Sudão, 1,1 milhão de vidas já se apagaram, e no Sahel, 464 mil seguem a mesma sina. Quem liga? Ninguém. Não têm o brilho de uma guerra com transmissão em directo, narrada por comentadores que dissecam estratégias como quem analisa um desafio de futebol. São tragédias sem plateia, sem luzes, sem aplausos. E no meio deste caos, surge o único que parece ter um pingo de juízo, um cavaleiro solitário a bradar contra moinhos de vento, clamando pelo planeta e contra os palhaços. Mas, coitado, ninguém lhe dá ouvidos – está demasiado ocupado a tentar salvar o mundo para merecer atenção.
A farsa sem fim
Não se aflijam, caros leitores, que a solução está mesmo ao virar da esquina. Imaginem só: os grandes senhores do mundo sentam-se à mesa, servem-se de uma tisana calmante e resolvem tudo como gente crescida. Pois, esperem lá, isso já foi ensaiado, e o resultado foi mais uma guerra. Ou duas. Ou três. É que, convenhamos, as guerras hoje são um negócio de fazer inveja aos mercadores de outrora. Há lucros chorudos a tirar, desde os fabricantes de canhões até aos mediadores da paz – esses sim, verdadeiros vendedores de banha da cobra, a oferecer contractos para o descalabro. E nós, os pagantes, lá vamos abrindo os cordões à bolsa, enquanto os figurões posam para o retrato, com sorrisos de quem acertou no totobola.
E que dizer dos belos princípios da Esquerda Europeia, do humanismo, da decência? São encantadores no papel, mas na vida real valem tanto como um chapéu-de-chuva num vendaval. Porque, no fundo, o que manda é o poder, o dinheiro, a influência – e quem os tem não está para dividir o bolo com os outros. O bom senso? Esse foi-se embora há muito, provavelmente de férias para um sítio onde ainda haja esperança. Aqui, resta-nos o espectáculo, e que continue a rodar.
O aplauso final
Mas nem tudo está perdido, caros leitores, porque há uma chispa de luz no horizonte. Ténue, sim, mas luz. E essa luz é… o circo! Exactamente! Se as negociações de paz são uma pantomina, então que se assuma o jogo. Vamos vender bilhetes, pipocas, algodão doce. Vamos transformar isto num evento planetário, com direito a transmissão em directo e aplausos ensaiados. Quem sabe, talvez os mestres do picadeiro, ao mirarem-se no espelho
e verem os narizes vermelhos, resolvam largar a palhaçada e trabalhar a sério pela paz. Ou, pelo menos, dar-nos-ão um divertimento decente enquanto o mundo se consome.
E assim, caros leitores, fecho esta crónica com um sorriso torto na cara. Porque, no fim de contas, rir ainda é melhor que chorar. E se o mundo enlouqueceu, que ao menos nos faça rir enquanto dançamos na corda bamba.