Na arena vibrante da vida moderna, onde a fama se desfaz com a mesma rapidez com que se forma um tweet viral, observamos a ironia de uma forma muito peculiar: a sorte do azarado. Imagine um pombo, com a precisão digna de um arqueiro lendário, oferecendo-nos um presente inesperado de excremento. A resposta a essa “dádiva” não tardará a chegar, e frequentemente, a reação dos espectadores é digna de uma tragicomédia. “Hoje és um sortudo!”, exclamam com um entusiasmo um tanto forçado, como se a mancha imunda na camisa fosse um sinal divino de boa fortuna.
Neste espetáculo surreal onde o azar se disfarça de sorte e a falta de elegância se transforma numa espécie de charme irresistível, as redes sociais desempenham um papel vital. O que poderia ser um espaço para debates profundos e reflexões significativas tornou-se numa feira de opiniões superficiais, onde qualquer indivíduo com um teclado e uma conexão à internet se vê como filósofo e especialista em todos os assuntos.
No reino da democracia digital, onde as opiniões instantâneas e oftalmológicas dominam, a preguiça ascendeu ao trono. Todos têm uma opinião sobre tudo, mas nenhuma merece um debate sério. Muitos comentários parecem ter sido escritos na pressa de uma pausa para café, com o mesmo empenho que um estudante dedica à elaboração de um trabalho de última hora.
Esta realidade, em que a profundidade é trocada por likes efémeros e retweets apressados, não é mera coincidência. Ela reflete a nossa era: um tempo onde a superficialidade é preferida à profundidade que exige esforço. Trocam-se debates acesos por emojis e discussões substanciais por vídeos de gatinhos.
A ironia é particularmente mordaz. A mesma geração que exige mudanças estruturais e revoluções sociais é a que, simultaneamente, se recusa a abandonar a sua zona de conforto digital. O esforço para corrigir o que está errado é diretamente proporcional ao desejo de evitar o desconforto de um debate verdadeiro. A coragem cívica transforma-se num like anónimo, e a vontade de transformar o mundo numa reação passageira.
Frequentemente, os pombos são substituídos por pessoas que, com a mesma desfaçatez dos pássaros, “dejetam” as suas opiniões superficiais e vazias. Estamos a caminhar para uma era onde quem consegue espalhar mais “merda” nas redes sociais é celebrado como herói, mesmo que seja um herói da mais baixa estirpe.
Portanto, na vasta feira das redes sociais, onde a desordem e a superficialidade brilham com intensidade, resta-nos uma escolha: continuar a aceitar o estandarte da sorte cega oferecido pelos pombos da era digital ou exigir que sejamos tratados com a dignidade de um pensamento verdadeiramente estruturado. No final das contas, se um pombo pode definir o nosso azar, talvez possamos decidir, com um pouco mais de inteligência, que tipo de sorte realmente desejamos para nós mesmos.