Vai para cinco anos que publiquei uma crónica intitulada “Favoritismo, o pão e os sonhos roubados”. Aproximavam-se as eleições autárquicas de 2021 e o caciquismo político era – e continua a ser – uma realidade injusta e indecente que sempre me incomodou, por atentar contra os princípios democráticos, liberais e constitucionais, pelos quais tenho lutado ao longo da minha vida. Ora, o favoritismo constitui, como se sabe, um dos pilares centrais do caciquismo.
Este regime – também designado por mandonismo ou coronelismo – sobrevive em democracia (mais ou menos disfarçado) como um epifenómeno e consiste no domínio absoluto do poder político por uma oligarquia – por vezes assumindo a forma corrupta de cleptocracia – que monopoliza e controla (ou condiciona) as instituições, o tecido associativo, as empresas e as famílias, em benefício exclusivo ou privilegiado dos seus incumbentes e apoiantes.
É na troca de favores – chame-se-lhe amiguismo, nepotismo, compadrio, afilhadismo, clientelismo ou qualquer outra forma piara de tráfico de influências – que cabe o favoritismo, uma forma ilegítima de conceder ou distribuir cargos ou vantagens a pessoas amigas ou familiares, favorecendo-as e protegendo-as nos empregos e nos negócios públicos. A equidade e o mérito são aqui completamente ignorados ou, o que é pior, fingidos para disfarçar o procedimento ilícito.
Se os referidos cargos ou vantagens constituírem – como constituem para a maioria dessas pessoas – o seu ganha-pão, o favoritismo representará para as outras – as injustamente preteridas – o seu “rouba-pão”. Não há igualdade de oportunidades e justiça social para os cidadãos arredados de processos de recrutamento e promoção sem concurso ou desenhados à medida de “certos” candidatos, realidade dramática em territórios onde o Estado é o principal empregador.
Lamentavelmente, as maiorias absolutas transformam-se facilmente em poderes absolutos, calando as oposições e os órgãos de imprensa local e regional. Há autarquias enxameadas de ‘boys’ e ‘girls’ do partido dominante, em que o Município mais parece a sede do partido, recompensando a fidelidade e o voto das clientelas partidárias (e, por extensão, dos seus familiares e amigos), assim se controlando os recursos do Estado, sua distribuição e utilização.
O egoísmo daqueles que alinham e beneficiam com estes esquemas de ‘petty’ corrupção – relacionado com instinto de sobrevivência ou vã ganância – prejudica aqueles que, não só seriam mais merecedores da oportunidade, como iriam dar um contributo mais positivo para o bem-comum, criando mais e melhores oportunidades e beneficiando também, desta forma, os que acabaram por lhes roubar, não só o pão, como sobretudo os sonhos.
Nesta realidade, a eternização no poder só piora a situação. Para o evitar (ou travar), aprovou-se a lei de limitação de mandatos (que alguns estão sempre prontos a contornar). E sobra, sempre, a verificação do princípio da alternância, cuja aplicação está inteiramente nas mãos dos cidadãos-eleitores. As suas vantagens e benefícios são evidentes, compensando largamente o hipotético desaproveitamento da experiência autárquica dos incumbentes.
Dentro de uma semana, seremos chamados uma vez mais às urnas, para escolhermos os autarcas que governarão os nossos municípios e freguesias no próximo quadriénio. Se for para continuar tudo na mesma, votemos nos que lá estão. Se for para mudar e melhorar as condições coletivas de vida, arrisquemos e votemos noutros que nos suscitem maior confiança. Como disse Gandhi, “sejamos a mudança que desejamos ver no mundo”. Porque a mudança começa em cada um de nós.