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Será o desporto apolítico e igualitário?

Serão os Jogos Olímpicos neutrais, apenas tendo por objetivo a paz entre os povos e a afirmação do valor moral e educativo do desporto?

“Nenhum tipo de manifestação ou propaganda política, religiosa ou racial é permitida em quaisquer locais olímpicos, locais ou outras áreas”, declara a regra 50 da Carta Olímpica.

A História mostra que raramente foi assim. Façamos um breve levantamento, numa perspetiva sócio-económica e política.

Foto: D.R

Já na Antiguidade, a organização social dos gregos proporcionava às classes mais elevadas, os senhores, nobres e proprietários de terras, tempos livres para se dedicarem às ciências, às artes, à filosofia, e os mais jovens aos exercícios físicos. Eram essas classes que tinham condições económicas para concorrer às Olimpíadas. No império romano, o desporto servia para a preparação para as actividades guerreiras e para reforçar o carácter. Só no século XX é que surgem os primeiros desportos, autenticamente organizados. Desde sempre que foram as elites que participaram nas competições.

Foto: D.R

Também as Olimpíadas modernas, concebidas pelo Barão Pierre de Coubertin em finais do século XIX, representaram valores que ultrapassavam o mero ideal desportivo.

Desde logo neste ano de 2024, em Paris, o Comité Olímpico, assumindo-se como autoridade moral global, exclui a Rússia e a Bielorrússia. A razão foi terem violado as Tréguas Olímpicas: a cada dois anos, durante o outono anterior a cada edição dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Verão e de Inverno, as Nações Unidas adotam uma resolução clamando o respeito à Trégua Olímpica. Esta tradição remonta aos Jogos da Grécia Antiga onde, no século 9 A.C., os reis da região assinavam um tratado para que os habitantes locais, atletas e artistas, pudessem viajar com segurança para os Jogos Olímpicos. Israel diariamente bombardeia Gaza, mas não foi excluída dos Jogos…

Foto: D.R

Note-se que achei a cerimónia de abertura original e mesmo inclusiva… o que não impediu que o centro de Paris fosse “limpo” de pobres sem-abrigo, depois de um ano marcado por expulsões de alojamentos informais e por uma maior intervenção policial.

Apenas mais alguns exemplos onde o desporto, neste caso os Jogos Olímpicos, representam um espelho geopolítico das relações de poder nacional e internacional:

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Logo em 1906, O’Connor não participou das Olimpíadas de Paris em 1900 porque, sendo irlandês, não queria competir pela equipa britânica.

Em Berlim 1936, os Jogos foram aproveitados para encenar a glorificação do nazismo. Os Estados Unidos retiraram da equipa dois atletas judeus e substituíram-nos por atletas afro-americanos. Jesse Owens foi um deles e foi também aquele que conquistou quatro medalhas de ouro. A importância das quatro vitórias ultrapassou o desporto, porque foram conquistadas por um afro-americano, humilhando Hitler que pretendia fazer dos Jogos Olímpicos um exemplo da superioridade da raça ariana.

A Alemanha e o Japão não foram convidados a participar nos primeiros Jogos Olímpicos depois da II Guerra Mundial, que tiveram lugar em 1948, em Londres.

Pela primeira vez, a União Soviética participa nos Jogos Olímpicos, na edição de 1952, em Helsínquia, no arranque da chamada Guerra Fria. São construídas duas aldeias olímpicas com uma distância de 10 quilómetros: uma para o Bloco de Leste e outra para o resto do mundo.

Os Jogos da Cidade do México, em 1968, decorreram durante um ponto de alto na contestação dos direitos civis nos Estados Unidos. Tommie Smith, acabado de estabelecer o recorde do mundo dos 200 metros, e o medalhado com bronze John Carlos, baixaram a cabeça e elevaram os punhos com luvas no pódio, numa saudação do Poder Negro e em protesto contra a política racial, enquanto tocava o hino.

Em 1972, Massacre de Munique foi um atentado terrorista ocorrido quando onze integrantes da equipe olímpica de Israel foram tomados reféns e assassinados pelo grupo palestino denominado Setembro Negro.

Em 1980, Moscovo, os Jogos Olímpicos presenciaram o maior boicote de sempre. Liderados pelos Estados Unidos, 65 países não marcaram presença no evento em protesto contra a invasão soviética do Afeganistão.

Em retaliação, quatro anos depois, em Los Angeles, 1984, a União Soviética boicota os Jogos.

Na madrugada de 27 de julho de 1996, uma bomba explodiu no Parque Olímpico do Centenário em Atlanta, resultando nas mortes de duas pessoas e no ferimento de outras 110.

Pela primeira vez, em 2016, no Rio de Janeiro, entra em competição uma Equipa de Refugiados, reunindo dez atletas que fugiram dos seus países, como da República democrática do Congo ou Síria.

O amadorismo foi um dos principais componentes que nortearam o desporto olímpico ao longo do século XX. Contudo, a partir dos anos 80, já em um contexto histórico pós-moderno, o Movimento Olímpico passou a incorporar paulatinamente uma alteração que culminou num certo paradoxo em relação às suas disposições inaugurais: o profissionalismo. Ao prazer de ganhar e do convívio juntou-se o querer ganhar para existir retorno financeiro.

Quando existe profissionalização e comercialização da prática desportiva, próprias da sociedade de consumo, as consequências positivas e negativas são inevitáveis, merecendo reflexão aprofundada.

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Joaquim Correia
Joaquim Correia
“É com prazer que passo a colaborar no jornal Regiões, até porque percebo que o conceito de “regiões” tem aqui um sentido abrangente e não meramente nacional, incluÍndo o resto do mundo. Será nessa perspectiva que tentarei contar algumas histórias.” Estudou em Portugal e Angola, onde também prestou Serviço Militar. Viveu 11 anos em Macau, ponto de partida para conhecer o Oriente. Licenciatura em Direito, tendo praticado advocacia Pós-Graduação em Ciências Documentais, tendo lecionado na Universidade de Macau. É autor de diversos trabalhos ligados à investigação, particularmente no campo musical

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