Durante cerca de meio século, a comunidade científica tem enfrentado um enigma significativo: não existe matéria visível suficiente no universo para explicar o seu comportamento observado. Toda a matéria que conseguimos observar – estrelas, planetas, poeira cósmica e tudo o que existe entre eles – não é suficiente para justificar o modo como o universo se comporta. De acordo com a NASA, deveria haver cinco vezes mais matéria para que as observações dos cientistas fizessem sentido. Esta matéria invisível é conhecida como matéria negra, pois não interage com a luz e é invisível
Nos anos 1970, os astrónomos norte-americanos Vera Rubin e W. Kent Ford confirmaram a existência da matéria negra ao observarem as estrelas na periferia das galáxias em espiral. Verificaram que estas estrelas se moviam demasiado depressa para estarem sob a influência apenas da matéria visível e da gravidade da galáxia, o que deveria levar a que se afastassem. A única explicação plausível era a presença de uma grande quantidade de matéria não visível, que mantinha a galáxia coesa. “O que se vê numa galáxia em espiral”, afirmou Rubin na época, “não é o que se obtém”. O seu trabalho baseou-se numa hipótese formulada nos anos 1930 pelo astrónomo suíço Fritz Zwicky, e deu início à procura desta misteriosa substância.
Desde então, os cientistas têm tentado observar diretamente a matéria negra, construindo sofisticados dispositivos para a detetar – até agora sem sucesso.
Nos primeiros estágios da sua pesquisa, o famoso físico britânico Stephen Hawking sugeriu que a matéria negra poderia estar escondida em buracos negros, formados durante o Big Bang. Recentemente, uma nova investigação do Massachusetts Institute of Technology (MIT) revitalizou esta teoria, identificando a composição destes buracos negros primordiais e possivelmente descobrindo um novo tipo de buraco negro exótico. “Foi realmente uma agradável surpresa deste ponto de vista”, comenta David Kaiser, um dos autores do estudo.
“Estávamos a utilizar os célebres cálculos de Stephen Hawking sobre buracos negros, especialmente a sua importante conclusão sobre a radiação emitida por estes”, explica Kaiser. “Estes buracos negros exóticos surgem da tentativa de resolver o problema da matéria negra – são um subproduto da explicação da matéria negra.”
O Primeiro Quintilionésimo de Segundo
Os cientistas têm feito muitas suposições sobre o que a matéria negra poderá ser, desde partículas desconhecidas a dimensões adicionais. Contudo, a teoria dos buracos negros de Hawking só recentemente começou a ser considerada. “As pessoas não a levaram a sério até há cerca de 10 anos”, explica a coautora do estudo Elba Alonso-Monsalve, estudante do MIT. “Isso deve-se ao facto de os buracos negros terem sido inicialmente considerados apenas uma curiosidade matemática, sem relevância física.” Hoje sabemos que quase todas as galáxias contêm um buraco negro no seu centro, e a descoberta de ondas gravitacionais em 2015, resultantes da colisão de buracos negros, evidenciou a sua omnipresença.
“O universo está realmente repleto de buracos negros”, afirma Alonso-Monsalve. “Mas a partícula de matéria negra ainda não foi descoberta, apesar de a terem procurado em inúmeros locais. Isto não significa que a matéria negra não é uma partícula, ou que se trata de buracos negros. No entanto, os buracos negros como candidatos a matéria negra são agora levados muito mais a sério.”
Outros estudos recentes validaram a hipótese de Hawking, mas o trabalho de Alonso-Monsalve e Kaiser vai mais longe, analisando o que ocorreu durante a formação dos buracos negros primordiais. O estudo, publicado a 6 de junho na revista Physical Review Letters, revela que estes buracos negros surgiram no primeiro quintilionésimo de segundo após o Big Bang: “Isto é extremamente cedo, muito antes da formação dos protões e neutrões, as partículas que compõem tudo”, observa Alonso-Monsalve.
No nosso mundo, não encontramos protões nem neutrões isolados, mas sim como partículas elementares. No entanto, sabemos que não são, pois são constituídos por partículas ainda menores chamadas quarks, unidas por partículas denominadas gluões.
“Não é possível encontrar quarks e gluões sozinhos no universo atual, pois está demasiado frio”, continua Alonso-Monsalve. “Mas no início do Big Bang, quando tudo estava muito quente, estes podiam existir de forma isolada. Assim, os buracos negros primordiais formaram-se ao absorver quarks e gluões livres.”
Esta formação torna-os fundamentalmente diferentes dos buracos negros astrofísicos que os cientistas geralmente observam, resultantes do colapso de estrelas. Além disso, um buraco negro primordial seria muito menor – com a massa de um asteróide condensada no volume de um átomo. Se um número suficiente destes buracos negros primordiais não se evaporou no início do Big Bang e sobreviveu até hoje, isso poderia explicar toda ou a maior parte da matéria negra.
Uma Assinatura Duradoura
De acordo com o estudo, durante a formação dos buracos negros primordiais, surgiu um tipo de buraco negro nunca antes visto como subproduto. Estes seriam ainda menores – com a massa de um rinoceronte condensada em menos do que o volume de um protão.
Devido ao seu diminuto tamanho, estes buracos negros minúsculos teriam adquirido uma propriedade rara e exótica da sopa de quarks-gluões em que se formaram, denominada “carga de cor”. Trata-se de um estado de carga exclusivo dos quarks e gluões, nunca encontrado em objetos comuns, diz Kaiser. Esta carga de cor torná-los-ia únicos entre os buracos negros, que normalmente não possuem carga. “É inevitável que estes pequenos buracos negros se tenham formado também, como um subproduto [da formação dos buracos negros primordiais]”, explica Alonso-Monsalve, “mas já não existiriam hoje, pois ter-se-iam evaporado.”
No entanto, se ainda existissem dez milionésimos de segundos após o Big Bang, poderiam ter deixado assinaturas observáveis ao alterarem o equilíbrio entre protões e neutrões. “O equilíbrio entre o número de protões e neutrões produzidos é muito delicado e depende das outras coisas presentes no universo nessa época”, diz Alonso-Monsalve. “Se estes buracos negros com carga colorida ainda existissem, poderiam ter alterado esse equilíbrio, o suficiente para que pudéssemos medir essas mudanças nos anos seguintes.”
Estas medições poderiam ser feitas com telescópios terrestres ou instrumentos sensíveis em satélites, sugere Kaiser. No entanto, pode haver outra maneira de confirmar a existência destes buracos negros exóticos, acrescenta. “A formação de uma população de buracos negros é um processo extremamente violento que provocaria grandes ondulações no espaço-tempo. Estas ondulações seriam atenuadas ao longo do tempo, mas não completamente”, explica Kaiser. “A próxima geração de detectores gravitacionais poderá captar estes buracos negros de pequena massa – um estado exótico da matéria resultante dos buracos negros que poderiam explicar a matéria negra atual.”
Diversidade da Matéria Negra
O que significa isto para as experiências em curso que tentam detetar a matéria negra, como a Experiência LZ Dark Matter no Dakota do Sul? “A ideia de novas partículas exóticas continua a ser uma hipótese interessante”, diz Kaiser. “Há outras grandes experiências em construção que procuram formas sofisticadas de detetar ondas gravitacionais. Estas experiências podem captar sinais do processo violento de formação dos buracos negros primordiais.”
Há também a possibilidade de que os buracos negros primordiais constituam apenas uma parte da matéria negra, sugere Alonso-Monsalve. “A matéria negra não tem de ser composta por um único tipo de objeto”, diz. “Há cinco vezes mais matéria negra do que matéria normal, que é formada por várias partículas diferentes. Por que a matéria negra teria de ser composta por um único tipo de objeto?”
Os buracos negros primordiais ganharam popularidade com a descoberta das ondas gravitacionais, mas ainda se sabe pouco sobre a sua formação, indica Nico Cappelluti, professor assistente de Física na Universidade de Miami, que não esteve envolvido no estudo. “Este trabalho é uma opção interessante e viável para explicar a elusiva matéria negra”, diz Cappelluti.
O estudo é empolgante e propõe um novo mecanismo de formação para a primeira geração de buracos negros, observa Priyamvada Natarajan, professora de Astronomia e Física na Universidade de Yale, que também não participou no estudo.