“O PS não se candidata a nenhum concelho para perder, vencer é uma prioridade distrital nos 21 concelhos”. A frase, algo enigmática para os ouvidos de um genuíno democrata, é de Hugo Costa, presidente da Federação Distrital de Santarém do Partido Socialista, e foi proferida durante a recente apresentação da sua recandidatura ao cargo. É seu mandatário de campanha o presidente da Câmara Municipal de Abrantes, o qual também preside à Comunidade Intermunicipal do Médio Tejo (CIMT) e a mais não sei quantos cargos.
A frase citada tem, como referi, uma “sonoridade” esquisita e pode ter, na minha opinião, duas leituras: uma benevolente, refletindo uma suposta determinação e combatividade do candidato, e outra “maquiavélica”, indiciando que o candidato não olhará a meios para atingir os fins, isto é, para alcançar o objetivo que anunciou e com o qual se declara comprometido: VENCER! Um objetivo que – todos concordarão – por ser óbvio, resulta redundante, só valendo pela atribuição de alguma causa para a sua afirmação.
A legitimidade desta última leitura resulta, pois, de uma atribuição: se é óbvio, por que razão o afirmou? Para passar aos seus apoiantes uma mensagem de apelo à determinação e combatividade ou para lhes passar uma mensagem mais subliminar e maximalista de “vitória a qualquer preço”, realçando-se as expressões “a nenhum” [concelho para perder] e “nos 21”, ou seja, “a todos” [concelhos para vencer]. Julgo que teria sido mais realista e sensato (na ótica do candidato, claro) referir “a maioria” ou “o maior número possível” [de concelhos para vencer]. Ou seja, passar o desejo de vitória e não a prioridade obstinada de NÃO PERDER!
Em pleno Século XX1, o poder local em Portugal continua marcado pelo velho fenómeno do caciquismo político, uma prática tóxica que subverte os princípios democráticos, pondo mesmo em causa o bom nome e a credibilidade dos princípios, regras e instituições democráticas. O método caciquista é simples e conhecido:
1) Controlo partidário dos órgãos autárquicos, meios de comunicação social, IPSS, Associações e Coletividades, entre outras entidades dependentes ou parceiras;
2) Esvaziamento e enfraquecimento da sociedade civil e da iniciativa cidadã, monopolizando a favor da autarquia todas as atividades possíveis; e
3) Tráfico de influências (troca de favores) com o maior número possível de famílias e clientelas políticas, maximizando a dependência dos seus membros e respetivas malhas sociais.
Esta realidade é patente e só não a vê ou não a compreende quem não quer, por conveniência, medo, desinteresse, normalização ou cansaço. Onde o caciquismo prevalece, a democracia não é real, limitando-se ao mínimo formal. Diz o povo que “quem não quer ser lobo, não lhe veste a pele”. No meu entender, Hugo Costa vestiu a pele de “lobo”, ao afirmar o que afirmou (e como afirmou). Devia ter refreado os ânimos e mostrar-se mais maduro e ponderado, mas não o fez. Talvez seja um sinal de fraqueza e não de força, quiçá. Ou uma ânsia de poder, total e desmedido, sei lá.
O que sei é que, em democracia, competindo com fairplay, o que importa é empoderar os cidadãos, reconhecer a sua natural diversidade e pluralidade – de ideias e de escolhas –, dar voz e representação aos seus anseios e preocupações, cumprindo as promessas que lhes são feitas. Vencer não é arrebatar o poder, não é ser poderoso ou ter mais poder do que os outros, a não ser o de referência. Vencer é representar bem os cidadãos e resolver os seus problemas, proporcionando-lhes um presente mais auspicioso e um futuro mais promissor. Sem temer a alternância.