Ser diretor de um jornal no interior do país é mais do que exercer uma função profissional — é, muitas vezes, carregar o peso invisível de quem decide não se calar. Ter um jornal nas mãos, especialmente numa comunidade onde todos se conhecem ou julgam conhecer-se, é aceitar uma missão ingrata, mas necessária. Não se trata de falta de vocação, de empenho ou de coragem. Trata-se, antes, da dureza que recai sobre quem escolhe não limitar-se a informar, mas ousa opinar.
Há, ainda hoje, quem entenda um jornal como mero espelho dos factos: que se limite a relatar o que aconteceu, sem questionar, sem provocar, sem interferir. Mas um jornal sem pensamento crítico é um jornal vazio. Um jornal que não pensa, que não desafia, que não incomoda, torna-se irrelevante. E essa irrelevância é, talvez, a maior ameaça à democracia local.
Num país onde a liberdade de expressão continua — felizmente — a ser um direito consagrado, importa lembrar que essa liberdade implica responsabilidade. Quem escreve para a comunidade, especialmente quando essa comunidade é a que o viu crescer, carrega um duplo fardo: o de ser lido por quem o conhece, e o de ser julgado com base nesse conhecimento. As palavras ganham um peso diferente quando ditas de perto. A crítica, por mais construtiva que seja, transforma-se em afronta. E a verdade, quando não é conveniente, é rotulada de ataque pessoal.
Mas não se pode recuar perante essa pressão. Não se pode trocar a integridade pela aceitação, nem a consciência crítica pela conveniência social. Porque o silêncio, ao contrário do que muitos acreditam, não é neutral. O silêncio, quando vem de quem tem o dever de informar e de pensar, é cumplicidade.
O mundo muda a uma velocidade vertiginosa. O debate transforma-se em gritaria. As redes sociais substituem o diálogo pela polarização. Já não se ouve para compreender, apenas para responder. Já não se lê para refletir, mas para encontrar motivo de censura. E, nesse cenário, o jornal local — aquele que ainda tem a coragem de pensar em voz alta — torna-se um alvo fácil. Mas também uma peça indispensável.
Sinto, cada vez mais, que o interior está a perder algo essencial. Não apenas gente, serviços ou oportunidades. Está a perder alma. Está a perder o espaço onde as ideias conviviam, onde o respeito pelas diferenças era regra, e onde se podia discordar sem medo de retaliações. Vivemos rodeados de rostos que não conhecemos, mas com os quais fingimos normalidade. E, nos rostos que conhecemos, projectamos expectativas impossíveis. Desiludir um estranho custa pouco; desiludir quem nos viu crescer custa muito mais.
Mesmo assim, continuo a acreditar. Continuo a defender um jornal que pensa, que escreve com verdade, que não foge aos temas difíceis e que prefere o desconforto da honestidade ao conforto da omissão. Um jornal que não se rende ao ruído nem à pressão. Porque a função de um jornal é, antes de tudo, servir a comunidade. E servir, neste caso, também é ter a coragem de dizer o que muitos apenas sussurram.
Enquanto nos deixarem falar, vamos falar.
Com verdade. Com responsabilidade. E, acima de tudo, com consciência.