O Deserto do Sahara, com a sua imensidão e silêncio impressionantes, é um território que desafia tanto o corpo como a alma. Para quem já teve o privilégio de cruzar este imenso mar de dunas, sabe o quanto a vastidão do deserto pode ser um ambiente tanto deslumbrante quanto intimidador. No entanto, para aqueles que têm a sorte de contar com a companhia de alguém como Hassan, um guia Tuareg, essa experiência transcende as dificuldades físicas da viagem, e se transforma numa verdadeira lição de confiança, amizade e resiliência.
O povo Tuaregue, ao qual Hassan pertence, é um dos mais antigos e respeitados grupos nómadas do Sahara. Eles são conhecidos como os “Senhores do Deserto”, um título que se justifica não só pela sua relação ancestral com a imensidão areada, mas também pela sabedoria que adquiriram ao longo de séculos de convivência com esse território tão exigente. O termo “Tuaregue” deriva do árabe “Tagari”, que significa “abandonado”, referindo-se à condição nómada e muitas vezes solitária deste povo. O seu alfabeto, o tifinagh, e a sua língua, falada por cerca de três milhões de pessoas, mantêm viva a cultura tamazight (berbere), mesmo diante das dificuldades da modernidade.
A vida dos Tuaregue é, essencialmente, uma vida de pastores. Eles pastoreiam rebanhos de camelos, cabras, cordeiros e vacas em um território onde o silêncio e a imensidão são absolutos. Quando questionado sobre a quietude do deserto, Hassan respondeu com uma simplicidade profunda: “Se você está sozinho nesse silêncio, ouve a batida do seu próprio coração. Não há lugar melhor para ser você mesmo.” Este pensamento revela não só a intimidade que os Tuaregue têm com a natureza, mas também a maneira como eles são capazes de encontrar paz e identidade em um ambiente onde tudo parece ausente.
Tive a sorte de cruzar o deserto acompanhado de Hassan em várias expedições. Ele não era apenas um guia (Fisher); era um verdadeiro companheiro de viagem, alguém em quem eu podia confiar de olhos fechados. E não era apenas a sua experiência e conhecimento do deserto que me inspiravam confiança, mas o seu caráter e a sua dedicação.
Uma das memórias mais marcantes que guardo de Hassan aconteceu durante uma viagem particularmente desafiadora. O nosso Jipe ficou atolado nas dunas, e à medida que a noite começava a cair, o deserto mostrava o seu lado mais implacável. O silêncio era profundo e envolvente, e uma sensação de vulnerabilidade começou a tomar conta de mim. No entanto, Hassan, percebendo a gravidade da situação, não hesitou em agir. Ele partiu em busca dos outros membros do grupo, que estavam à frente, enquanto eu ficava sozinho à espera de notícias. As horas passaram lentamente, e o medo de ser deixado para trás começou a crescer dentro de mim. No entanto, Hassan nunca deixou de pensar em todos, e para além de me enviar uma mensagem tranquilizadora, mandou dois jovens rapazes em minha direção, para me orientar e garantir que chegasse ao grupo em segurança.
Quando os rapazes me encontraram, levaram-me diretamente até ao círculo de companheiros, que se haviam abrigado do vento feroz de uma tempestade de areia. A tempestade, que tinha surgido de repente, era uma prova de que o deserto pode ser tanto belo quanto traiçoeiro, e que a única maneira de sobreviver a ele é com coragem, união e confiança mútua. Essa noite foi uma verdadeira prova de lealdade, de solidariedade e, acima de tudo, de confiança absoluta em Hassan.
O deserto pode ser um lugar imenso e impiedoso, onde os elementos parecem quase fora de controle. Contudo, a verdadeira medida do deserto não está na sua vastidão física, mas na capacidade de encontrar conexão e confiança em um espaço onde tudo parece distante. Para mim, Hassan foi o exemplo perfeito disso. No coração do deserto, a amizade e o companheirismo são as forças mais poderosas que existem. O que ele fez por mim naquele momento em que parecia perdido é uma lição que nunca esquecerei.
Hoje, ao escrever estas palavras, é impossível não refletir sobre o significado profundo da história de Hassan. Ele representa mais do que um simples guia (Fisher); ele é o símbolo da confiança inabalável em tempos de adversidade. No vasto deserto, onde a solidão pode ser esmagadora, foi a sua presença, a sua coragem e a sua lealdade que fizeram toda a diferença. E é por isso que, para mim, esta história não é apenas sobre uma viagem pelo Sahara, mas sobre o verdadeiro espírito de amizade e a força que encontramos uns nos outros, mesmo nos momentos mais difíceis.