Sábado,Novembro 23, 2024
11.1 C
Castelo Branco

- Publicidade -

A insanidade somos nós

Não é de Einstein a expressão “Insanidade é fazer repetidamente a mesma coisa e esperar resultados diferentes”, nem se sabe de quem é (admite-se que tenha sido originalmente proferida numa sessão dos Alcoólicos Anónimos). Mas, também pouco importa a paternidade, importando, sim, julgar se a expressão é correta ou não. E, sendo, tê-la em boa conta. Na minha opinião, seria correta se, sensivelmente a meio, incluísse os termos “nas mesmas circunstâncias”, pois, se as circunstâncias se alterarem, a mesma ação poderá produzir resultados diferentes.

Vem isto a propósito da recente decisão dos autarcas da Comunidade Intermunicipal do Médio Tejo (CIMT) em “solicitar uma audiência com carácter urgente à Ministra da Saúde”, para abordarem os graves problemas da Saúde na subregião, designadamente a falta de médicos para os cuidados de saúde primários e algumas especialidades médicas hospitalares, havendo muitas pessoas sem médico de família atribuído.

Acontece que, há cerca de um ano, os mesmos autarcas decidiram a mesma coisa: “solicitar uma audiência ao Ministro da Saúde” para se analisar como resolver o grave problema da falta de Médicos de Família. E, recuando uma década, pode ler-se na imprensa regional que os autarcas do Médio Tejo “enviaram uma exposição ao Ministro da Saúde e reiteraram o pedido de reunião antes apresentado” para manifestar a sua preocupação face à constante e rápida degradação das atividades de saúde pública e dos meios necessários.

De reunião em reunião – sem que se preste contas dos resultados alcançados (imediatos e a prazo) – os autarcas do Médio Tejo, com o Presidente da Câmara Municipal de Abrantes à cabeça, vão mostrando a sua santa paciência (não quero admitir que haja aqui impotência ou incompetência…), essencial para a adoção de uma postura de persistência. Insistir na sensibilização do ministro da tutela parece ser a atitude assumida, mas até quando?

Há ano e meio, em sessão extraordinária da Assembleia da CIMT, os dirigentes do Centro Hospitalar e do ACES do Médio Tejo prometeram que, com a criação da Unidade Local de Saúde do Médio Tejo (ULS-MT) em janeiro de 2024, haveria “melhor acesso, maior comodidade, maior eficiência, maior capacidade de resposta, maior satisfação dos utentes e ganhos em saúde e sustentabilidade”. Estão a cumprir?

O movimento autárquico independente ALTERNATIVAcom afirmou, então, ser “favorável a todas as inovações e mudanças em Saúde que se traduzam em melhores cuidados primários, melhores cuidados continuados, melhores cuidados hospitalares e maior facilidade de acesso a exames radiológicos e outros, seja aproveitando melhor e otimizando os recursos existentes, seja mobilizando efetiva e atempadamente os recursos que faltam”. Demos o benefício da dúvida e não estamos arrependidos, pois

não nos parece que os maus resultados sejam culpa do novo modelo, antes pelo contrário, seriam piores se este não tivesse sido posto em prática.

Lamentavelmente (mas sem surpresa), a situação dos Cuidados de Saúde Primários – tratado como o “parente pobre” da ULS-MT – piorou nos últimos 10 meses, minando perigosamente a confiança dos cidadãos na nova organização do SNS. Há hoje menos 3.542 utentes com Médico de Família atribuído do que havia em janeiro, faltando Médico de Família a 52.938 utentes inscritos, cerca de 30% da população elegível da nossa subregião (eram 38.000 há uma década e, note-se, a subregião perdeu neste período quase 10% da população).

- Advertisement -

O debate sobre as dificuldades e desafios da “interioridade” é uma prática recorrente, assumindo-se, geralmente, uma atitude de inferioridade e vitimização. Para J. P. Sartre, o inferno seriam os outros, mas não terá antes razão T. S. Eliot quando afirma que o inferno somos nós próprios? Não será a nossa “interioridade”, do ponto de vista geográfico, muito relativa e mesmo irrelevante, devendo, mais propriamente, falar-se de desequilíbrio e discriminação negativa a leste da A1 ou além-Lisboa?

E não será a nossa “interioridade”, do ponto de vista dos recursos (como o tempo, a natureza ou a tranquilidade) e das potencialidades (como o trabalho à distância, a instalação de idosos ou o custo de vida), uma superioridade territorial face às grandes cidades? Como reafirmou há uma semana o autarca de Sardoal no 3º Fórum Democrático realizado pelo movimento autárquico independente de Abrantes ALTERNATIVAcom, “interioridade não é sinónimo de inferioridade”, sendo necessário adotar-se um discurso realista, positivo e proativo, destacando-se as vantagens comparativas e competitivas do interior de Portugal.

Nada contra reuniões ou audiências com governantes ou outros decisores públicos, para justa reivindicação de médicos ou quaisquer outros recursos ou investimentos. Mas, terão os Ministros da Saúde mudado na maneira como encaram os territórios interiores cada vez mais despovoados, sobretudo de gente nova, ativa e eleitora? Quantos deputados tem o interior de Portugal na Assembleia da República? Não está na hora de mudar de paradigma valorativo e de tática reivindicativa?

Não perca esta e outras novidades! Subscreva a nossa newsletter e receba as notícias mais importantes da semana, nacionais e internacionais, diretamente no seu email. Fique sempre informado!

Partilhe nas redes sociais:
José Nascimento
José Nascimento
Tem 68 anos e vive na aldeia de Vale de Zebrinho (Abrantes). Reformado do ensino superior, onde lecionou disciplinas de gestão e psicologia social, dedica o seu tempo à atividade cívica e autárquica. É, também, membro do núcleo executivo do CEHLA – Centro de Estudos de História Local de Abrantes (editor da Revista Zahara). Interessa-se pelas dinâmicas políticas e sociais locais e globais, designadamente pelos processos de participação e decisão democráticos.

Destaques

- Publicidade -

Artigos do autor