Em Abril, celebra-se a liberdade. Em Maio, testa-se o que resta dela.
Já lá vão mais de 50 anos desde o 25 de Abril, dia em que o país trocou o medo pelos cravos e a censura pelos microfones. Ganhámos o direito ao voto, à palavra, à crítica. Mas passadas tantas décadas, há quem use esses direitos como se fossem herança velha: guardados, mas pouco mexidos.
Este ano, com eleições Legislativas marcadas para 18 de Maio, voltamos ao ritual do costume. Os partidos saem à rua com promessas lavadas, bandeiras ao vento e sorrisos prontos para as selfies. É tempo de discursos inflamados, de debates mornos e de “propostas” que só duram até à noite das eleições. No fundo, é como o Carnaval — mas com gravatas e tempo de antena.
E no Portugal profundo — esse interior tantas vezes esquecido — a política ainda vive entre o favor e a fé. Aqui, votar não é tanto escolher como seguir. Seguir o que o pai votava, o que o padre sugere, ou o que o senhor da junta diz que é “bom para a terra”. Não se vota em ideias, vota-se por hábito. Questionar é mal visto, pensar dá trabalho.
Nos últimos tempos, têm aparecido algumas caras novas: candidatos independentes, fora dos partidos tradicionais, com vontade de fazer diferente. Muitos trazem consigo uma energia rara, um idealismo que cheira a fresco. Mas depressa se percebem as dificuldades. O sistema é apertado. Os jogos de bastidores começam cedo. Há telefonemas com “dicas”, almoços com “conselhos”, convites para “colaborar”.
E quando se dá por isso, até o mais bem-intencionado começa a andar à boleia das estruturas que dizia querer mudar. A independência, afinal, também tem prazo de validade.
Mas se os políticos falham, é porque lhes damos espaço para isso. A responsabilidade não é só de quem se candidata, é também de quem vota — ou pior, de quem não vota. Continuar a escolher com base em simpatias antigas ou favores prometidos é manter tudo igual. É aceitar que nada mude, mas esperar resultados diferentes.
Portugal precisa de eleitores atentos, exigentes, livres. Gente que não vote como quem escolhe o clube da terra, mas como quem escolhe o rumo da sua vida. Porque é disso que se trata: do nosso presente, do futuro dos nossos filhos, da terra onde vivemos.
Abril abriu portas. Cabe-nos, agora, atravessá-las com os olhos bem abertos — e as palas bem longe do boletim de voto.