Sempre tive curiosidade em saber se existe uma relação entre o desempenho dos autarcas e a sua formação. No fundo, perceber o lugar (ou valor) da formação no conjunto dos fatores que explicam o bom desempenho dos autarcas. A mera observação empírica e ocasional dessa suposta relação ainda não me permitiu concluir, com suficiente discernimento, se ela existe, em que condições se verificaria e com que caraterísticas. Gostaria de conhecer, um dia, um estudo académico credível sobre esta matéria. Quem sabe se algum leitor, com a oportunidade entre mãos, não encontrará nesta crónica a inspiração necessária para o realizar…
A minha hipótese de partida é que a formação ou qualificação dos autarcas contribui, garantidas determinadas condições (intrínsecas e extrínsecas), para a qualidade do seu desempenho, ou seja, que em dadas circunstâncias a probabilidade de um autarca com boa formação ter um bom desempenho é maior do que se não possuir essa formação (todos estes conceitos precisam, como é óbvio, de ser rigorosamente definidos). Se se preferir, poderá colocar-se a formação como variável moderadora e não causal, trocando-a com a das condições necessárias (mas não suficientes).
Como escrevi recentemente, realizou-se em Abrantes no passado dia 16 novembro, por iniciativa do Movimento ALTERNATIVAcom, o 3ª Fórum Democrático – Onde Vozes Diferentes Se Fazem Ouvir. Dois dos oradores convidados foram os presidentes das Câmaras Municipais do Fundão e de Sardoal, respetivamente Paulo Fernandes e Miguel Borges, o primeiro mais mediático e credor de enorme prestígio nacional, designadamente em matéria de dinamismo económico e integração de imigrantes, e o segundo muito conhecido e apreciado pelo excelente desempenho autárquico, sobretudo pela magnífica oferta cultural do seu pequeno-grande município.
Em 2018, a imprensa dava conta da falta de habitação para “largas centenas de programadores informáticos que, nos últimos anos, escolheram o Fundão – a capital da Cereja – para viver e trabalhar” nas multinacionais que se instalaram no território, fruto do intenso trabalho de promoção e angariação realizado pelo autarca e sua equipa. Muito do edificado foi reabilitado, incluindo imóveis municipais e casas nas aldeias, e a quebra demográfica foi travada. Os novos habitantes afirmam “encontrar no Fundão muito do que não tinham em Lisboa: tempo, qualidade de vida e centralidade”.
De facto, o Fundão está a 2 a 2,5 horas de distância de Lisboa, Porto, Badajoz e Salamanca, e a um pouco mais de Madrid. “Essa coisa do interior e de ser tudo longe”, dizem, “não passa de um mito urbano”. Já o Sardoal tem um dos melhores centros culturais da região que, não só oferece uma programação de grande nível, como alberga uma apelativa e vibrante Universidade Sénior. Até Abrantes, há seis anos desprovida de qualquer equipamento cultural do género, realiza sessões de cinema, tertúlias literárias e outros eventos culturais no Centro Cultural Gil Vicente, em Sardoal.
Estes sucessos não acontecem por acaso. Paulo Fernandes é licenciado em Relações Internacionais e pós-graduado em Estudos Europeus e Direitos Humanos, com especialização em Desenvolvimento Regional em Territórios de Baixa Densidade, tendo sido cofundador das Redes de Aldeias de Xisto e Aldeias Históricas de Portugal. Miguel Borges, por sua vez, tem formação em Ciências Musicais e Composição, e em Psicopedagogia do Desenvolvimento Artístico da Criança. Frequentou, entre outros, o mestrado em Gestão e Políticas Públicas e um curso de capacitação em Liderança.
Se o conhecimento e a aprendizagem servem para alguma coisa – e não tenho dúvidas de que servem, e muito – que contributo deram para a visão e liderança esclarecida destes autarcas? Que capacidades e competências básicas deveriam passar a ser exigidas – por lei ou apenas politicamente – aos candidatos à presidência dos Municípios, sabendo-se como é tão abrangente e complexa a atividade por estes desenvolvida, nomeadamente nos planos estratégico-gestionário, técnico-científico e jurídico-administrativo? Não é tempo de subir a fasquia da formação dos cidadãos que se candidatam aos cargos autárquicos de topo?
E as perguntas não se esgotam: Pode um município ser bem governado e desenvolver-se, tendo à sua frente um autarca populista, demagogo e desprovido de capacidades e competências técnicas e socioemocionais básicas, pouco fazendo para aprender e evoluir, limitando-se a assimilar abundante jargão e frases feitas, a que junta um ego inchado e autoritário, uma total ausência de cultura geral e democrática, e um obstinado voluntarismo sectário? Não é tempo de o eleitorado ganhar consciência daquilo que está em causa quando vota e perceber que só com mais exigência e escrutínio se conseguirá travar o declínio, recuperar o atraso e melhorar as condições de vida da população?
A todos desejo uma Festas Felizes!