Apesar do subintendente Rui Costa, da Divisão de Investigação Criminal, explicar que a operação no Martim Moniz estava “a ser planeada há alguns meses”, em setembro/outubro, para ser “efetivada no final do ano”, algumas fontes do Ministério da Administração Interna e da própria PSP admitem que poderá ter existido discriminação racial na intervenção policial, lembrando a mega operação, em 9 de novembro de 2024, de fiscalização da PSP designada “Portugal Sempre Seguro”. Ambas as operações, com resultados mínimos, foram direcionadas para cidadãos imigrantes que vivem em Lisboa e estão integradas na estratégia do Governo para combater a imigração ilegal e o tráfico de pessoas e drogas.

Ataque racista do Governo contra os imigrantes para ganhar votos da extrema-direita, copiando “tiques de outros tempos” e apostando “no discurso de fratura e criminalização da pobreza”, foram alguns dos epítetos utilizados para classificar esta operação policial que, como uma outra realizada em novembro, também no Martim Moniz, em “busca” de alegados criminosos e imigrantes ilegais, teve resultados mínimos.
Em ambas as aparatosas operações policiais, a ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, esteve “desaparecida”, obrigando o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, a “dar a cara” pelo Governo e pela PSP e a explicar que refere que operação naquela zona lisboeta foi planeada e executada por decisão da polícia e “sem instrução do Governo”, acrescentando que o foco da operação esteve “no crime e numa zona problemática”.
Apesar das explicações do ministro Leitão Amaro e do superintendente Luís Elias, comandante metropolitano de Lisboa, as organizações de defesa dos direitos humanos e antirracistas acusaram o Governo de utilizar a PSP para aplicar a “agenda de ódio da extrema-direita” ao “adotar políticas com o propósito específico de perseguir e afastar imigrantes”.
Negrão e Vitorino protestam
Mas as críticas à operação policial por parte das organizações dos direitos humanos e de deputados de vários quadrantes políticos juntaram-se vozes como do antigo ministro da Justiça e diretor da Polícia Judiciária, Fernando Negrão, de António Vitorino, Francisco Assis, Ferro Rodrigues, entre outros, que criticam uma “reprovável linha política ultra-securitária que este Governo de forma irresponsável tem vindo a prosseguir”.
Em declarações ao Expresso, Fernando Negrão mostra uma “grande preocupação” com o que aconteceu. As críticas estendem-se ainda a António Vitorino, o socialista escolhido por Montenegro para ser presidente do Conselho Nacional para as Migrações, e para vários socialistas, como Francisco Assis, Ferro Rodrigues ou José Luís Carneiro.
Para algumas fontes da PSP, esta operação foi dirigida contra uma comunidade, porque “as ações de prevenção ou se fazem de uma forma discreta ou deixam de ser de prevenção para serem indutoras de insegurança na comunidade”.
Aliás, esta posição é compartilhada pelo ex-diretor da PJ, que diverge assim da posição do atual primeiro-ministro. Luís Montenegro defendeu que a operação da PSP no Martim Moniz foi “muito importante” para a “visibilidade e proximidade” no policiamento, contribuindo duplamente para incrementar a “tranquilidade dos cidadãos” e combater “condutas criminosas”.
“E vimos também uma vontade de grande exibição daquela operação, o que torna ainda mais preocupante”, acrescenta Negrão ao Expresso, salientando que este foi um “ato exclusivamente de polícia nas suas competências”. A questão é que “sendo um ato de natureza administrativa, deve caber à polícia e só à polícia levá-lo a cabo quando acha que há necessidade, por exemplo, de operações de prevenção da criminalidade”.
Assim, é importante, tal como afirmado pelo Presidente da República, aguardar por mais informações, “designadamente se alguma autoridade judiciária teve alguma intervenção na autorização desta operação” de modo a apurar se se tratou de uma “operação de prevenção ou repressiva”.
Contudo deixa claro que o que as imagens mostram, com dezenas de pessoas encostadas à parede, “não é um procedimento normal”. “Estão aqui em causa limitações a direitos fundamentais das pessoas, como por exemplo o direito de se deslocarem livremente pelas ruas de uma cidade”, afirma.
Ferro Rodrigues chocado
Já o antigo líder socialista Ferro Rodrigues afirmou-se chocado com o que observou da operação policial realizada na Mouraria, em Lisboa, e com as “declarações indecorosas” proferidas sobre o assunto pelo primeiro-ministro.
“Estou em estado de choque com o que se passou na Mouraria”, na quinta-feira, afirmou Ferro Rodrigues, presidente da Assembleia da República entre 2015 e 2022 e secretário-geral do PS entre 2002 e 2004, numa mensagem que enviou à agência Lusa.
Ferro Rodrigues destacou em particular uma foto exibida “com dezenas de pessoas encostadas às paredes perante polícias armados, como se estivessem numa guerra”.
Também o comentador da CNN António José Seguro abordou a operação policial no Martim Moniz, em Lisboa, afirmando que “o crime não tem cor nem nacionalidade” e lembrando que é a segunda vez em poucas semanas que ocorre uma operação policial no Martim Moniz. “Não há outras zonas do país com criminalidade?”, questiona, apelando depois para que se “pare de estigmatizar os imigrantes”.
Na quinta-feira, o BE, o PCP e o Livre requereram a audição da ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, no parlamento, para esclarecer a operação policial no Martim Moniz, considerando-a inadequada, desproporcional e passível de criar “alarme social”.
Responde a PSP
A todas estas críticas, o superintendente Luís Elias, comandante metropolitano de Lisboa, explica que a operação, que decorreu entre as 15:00 e as 17:30 na Rua do Benformoso, foi “devidamente coordenada” com o Ministério Público após “diversas denuncias e participações de ocorrências com a utilização de armas brancas”.
“Estas ocorrências são maioritariamente crimes violentos e graves, 52 crimes que ocorreram no ano passado e este ano”, afirma.
No dia 31 de maio, houve um homicídio com recurso a uma arma branca naquele local, acrescenta o superintendente. Já este fim de semana, voltou a haver “alguns incidentes”, como o apedrejamento de carro de patrulha.
Na conferência de imprensa, o comandante metropolitano de Lisboa refere que foram emitidos 6 mandados de buscas não-domiciliárias a estabelecimentos.
Duas pessoas foram detidas – de nacionalidade portuguesa – e ficaram em prisão preventiva. Uma delas tinha mandado de detenção por oito crimes de roubo.