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Eis o dia em que o MDLP mata o Pe. Max, outra vez

Hoje, em cerimónia aparentemente burocrática, Portugal clamou por um ponto de viragem: elegeu Diogo Pacheco de Amorim — figura de arestas vivas, oratória inflamável e currículo manchado por conivências antidemocráticas — para Vice-Presidente da Assembleia da República. Por instantes, os sinos da democracia dobraram não por celebração, mas por espanto contido.

Era suposto festejar-se o final da faina parlamentar, mas em vez disso assiste-se à entronização de um antigo agitador do MDLP, cuja história de militância se confunde com discursos que rasgaram o tecido democrático e pares que flertaram com a violência política. Dir-se-ia que, ao escolher alguém com passagens por episódios de retórica incendiária, o Parlamento decidiu pendurar o diploma da convivência civil num ligeiro gancho — prestes a desmoronar. E quando se pensa que um suspiro de indignação basta, vem a constatação: uma sociedade sedenta de escândalo aceita sem pestanejar figuras que, noutra geografia, estariam sob investigação pelo Ministério Público. Porque abdicámos do humanismo, renegámos o respeito pela vida — pressuposto de qualquer convivência civil básica. Pacheco de Amorim foi dirigente do Movimento Democrático de Libertação de Portugal (MDLP), uma organização terrorista de extrema direita responsável por ataques bombistas durante o “verão quente” de 1975, assim como a morte de Padre Max e a sua aluna Maria de Lurdes Ribeiro Correia.

Afinal, se Otelo Saraiva de Carvalho tivesse sido o indicado pela Esquerda para este posto, ouviríamos grandes largos de críticas, análises, até chacota — mas nunca aplauso parlamentar. A Esquerda, por mais utópica que seja, ainda conserva a fresta mínima do respeito pelo outro. Já o PSD? Passa atestado de conivência. Ao aparar esta rasteira do Chega!, os sociais-democratas exercem silêncio cúmplice — adesão tácita a uma extrema-direita revanchista e revisionista que cultiva mitos de grandeza autoritária.

E não nos enganemos: o populismo de extrema-direita que se desencadeou desde 2015 em toda a Europa — com Le Pen, Salvini, Orbán, Trump, Meloni — chega agora a Portugal em roupagem institucional. Não como outono tardio, mas como primavera alimentar de ideologias que prometem medida, firmeza, ordem — e entregam

radicalização, exclusão, medo. O efeito é conhecido: polarização social, fragmentação democrática, atentados contra sujeitos cidadãos individuais. Em Portugal, as urnas ainda não o descortinaram completamente — mas já deixaram crescer o fungo da suspeita.

E se a história serve de orientação, basta lembrar: regimes autoritários de cariz populista começaram por eleições, seguiram-se concessões, depois atropelamentos. Hoje, o Parlamento os acolhe com cadeiras honoríficas — e ninguém parece reparar, distraídos entre um Mundial de Clubes e o último namoro de Iva Pamela.

Com esta mudança de regime — tão apregoada pelo Chega! como se fosse a salvação — estamos no limiar de algo que não tem volta atrás. E ninguém viu, ninguém disse que não.

É quase das bruxas: transforma-se cinismo político em moeda corrente, enquanto a sociedade, anestesiada por reality shows, atribui protagonismo a quem experimentalizou a retórica bombista. Recorre-se a pensadores marginais — como Simone Weil, que viu no respeito pela força moral da lei a base de qualquer justiça —? Claro que não. Porque não convém pensar. Mas repare: um diletante da retórica revisionista a ocupar uma vice-presidência parlamentar é mais do que simbologia retorcida. É gesto político consciente: a legitimação, por via de assento e galhardete, de quem duvida dos mortos em nome da História nacional. Desde 2015, Ironia (com I grande) tornou-se norma.

E ficamos assim: a dúvida suspensa. Entre a gargalhada nervosa e o desconforto, persiste uma faísca — fraca, frágil, mas ainda ondulante. Talvez, só talvez, o absurdo exposto possa convocar uma reacção futura: um remorso cidadão capaz de apagar, antes que consuma, o incêndio que acendemos. Ou talvez fiquemos, para sempre, presos entre o entretenimento e o descrédito.

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Joao Vasco Almeida
Joao Vasco Almeida
Jornalista 2554, autor de obras de ficção e humor, radialista, compositor, ‘blogger’,' vlogger' e produtor. Agricultor devido às sobreirinhas.

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