O pensamento guia as nossas ações. Orientado por valores e ideologias, e moderado por sentimentos e emoções, o pensamento – simples, automático e intuitivo; ou racional, consciente e complexo – está na base das nossas atitudes e comportamentos. Seremos escravos ou senhores do pensamento?
A nossa máquina cognitiva está em permanente atividade, mesmo quando dormimos profundamente. Começou a formar-se quando ainda morávamos no útero materno e mantém-se em contínuo desenvolvimento e transformação ao longo da vida, expandindo-se nas duas primeiras décadas e contraindo-se nas seguintes, embora produzindo sempre novas células nervosas (neurónios).
Suportado numa complexa rede neuronal – composta por cerca de 100 biliões de neurónios – o pensamento tende a replicar-se, por razão da repetição dos estímulos ambientais e dos comportamentos que marcam e priorizam ligações cerebrais, como quem marca um trilho no solo. Fazemos o que pensamos e pensamos o que fazemos. Ademais, somos o que pensamos, formando o autoconceito pessoal e social, difícil de mudar.
Ficamos, assim, “presos” a sinapses e esquemas mentais mais exercitados e conhecidos, percorrendo – inclusive com melhor desempenho e resultados, se nos aplicarmos com solicitude – os trilhos mentais a que estamos mais habituados e que cremos mais acessíveis, ignorando alternativas que nos poderiam levar a melhores destinos (ou aos mesmos, mas por melhores caminhos).
Quantas vezes nos beliscamos, questionando “porque é que não pensei nisso antes?”, seja quando intensificamos e aprofundamos o pensamento, sem abandonar o paradigma, seja quando relaxamos, libertando-o desse paradigma e permitindo-lhe “voar” para outros, i.e., passar do modo linear, focal, paralelo ou convergente do pensamento para o modo sistémico, periférico, lateral ou divergente.
Note-se que ambos os modos de pensamento são importantes e necessários, o primeiro para melhorar e incrementar, o segundo para criar e transformar. Não se deve usar ou valorizar apenas um deles (ou sempre mais um do que outro), dependendo o seu uso, alternativo, das circunstâncias concretas que se nos apresentam pela frente.
Ser escravo e vergar-se ao pensamento é privilegiar, sem justificação, um pensamento mais “certinho” e previsível – incluindo o ditatorial, único ou dominante – do que outro mais “caótico” e imprevisível, próprio dos sistemas abertos e plurais, como é o caso dademocracia (liberal). Ou vice-versa! É, em suma, não ter destreza mental, não arriscar pensar “fora da caixa” e não viver a “loucura” que mantém a mente saudável.
Ser livre e senhor do pensamento é, por seu lado, saber que modo de pensamento escolher em cada situação e como tirar o melhor rendimento de cada um deles. As técnicas são variadas e apropriadas a cada finalidade: Brainstorming? Advogado do Diabo? Mapas Mentais? Checklists? Seis Chapéus do Pensamento? Diagrama de Ishikawa (ou Espinha de Peixe)? Outra?
O pensamento complexo ou racionalidade, possibilitado pelo neocórtex (cérebro superior, com os seus dois hemisférios relativamente especializados), é um dom atribuído, por natureza, a todos os seres humanos, qualquer que seja a sua condição. Esse dom pode ser desenvolvido em ambientes estimulantes, ou atrofiado nos de caraterísticas contrárias. Façamos por exercitá-lo e aplicá-lo com o melhor proveito para o indivíduo, o grupo e a sociedade.
Carlos de Oliveira escreveu e Manuel Freire cantou que “não há machado que corte a raiz ao pensamento”. É no pensamento que podemos ser verdadeiramente livres e ajudar os outros (querendo) a libertar-se. E é no pensamento que as soluções e energias poderão surgir, até para os problemas e desalentos criados por ele próprio. Façamos, pois, por preservá-lo, mantendo-o tão saudável e útil quanto possível.