Quarta-feira,Novembro 6, 2024
15.3 C
Castelo Branco

- Publicidade -

Existe literatura cigana?

Parece pergunta descabida, pois cultura milenar como a cigana não podia deixar de ter autores que transportassem para a arte de Apolo as suas vivências

Mas na verdade, dada a sua tradição nómada, existe dificuldade em conhecer a história dos chamados ciganos. Acresce que  grande parte da documentação sobre o assunto foi escrita por não-ciganos, por vezes com testemunhos marcados por preconceitos, estereótipos e desconhecimento sobre essa população.

Outro desafio é saber qual o lugar de origem do povo cigano. Atualmente, considera-se que o subcontinente indiano, especialmente ao norte dos atuais Paquistão e Índia – de onde provem a língua Romani, que não deve ser confundida com o romeno e o romanche, que são línguas latinas – seja a terra natal mais provável. Dali teriam passado à Pérsia, ao Egito, e também ao continente europeu. O primeiro documento que atesta a presença dos ciganos na Espanha é de 1425, quando um grupo recebe uma carta de proteção do Papa Martinho V para cruzar o território a Km de peregrinar a Santiago de Compostela.

“A literatura cigana está a surgir de forma muito ténue, mas existe, da poesia à ficção, passando pelos livros de missão. Agora, é sobretudo uma cultura ágrafa, com uma tradição oral muito forte. Só que é preciso registar. Temos tantas histórias dos nossos avós, bisavós, sobre o nomadismo forçado e muitas outras coisas… O povo cigano é um povo que tem sido ignorado, omisso, da história de Portugal. Por outro lado, muitas vezes escreve-se sobre ciganos de uma forma muito folclórica, o que só faz enraizar estereótipos”, analisa Bruno Gonçalves, da Ribaltambição – Associação para a Igualdade de Género nas Comunidades Ciganas.

- Publicidade -

Enquanto esperamos as conclusões do evento, lembramos que no passado sábado, 26 de outubro, aconteceu o Encontro de Literatura Cigana, na Casa Fernando Pessoa em Lisboa, com a presença de escritores, artistas e investigadores de etnia cigana ou dela conhecedores, onde se debateram questões sobre leitura, escrita e literatura, encerrando com música de Diego El Gavi.

Quem  são  as pessoas  ciganas  que  escrevem  em  Portugal? Qual é a  relação da  produção  literária  atual  com  a  tradição  oral?

Que editoras e associações publicam autores Roma? O que podemos saber sobre escolaridade e literacia, e sobre incentivos à leitura e à escrita, nas comunidades ciganas de hoje?

Existe literatura cigana?
Foto: D.R.

O encontro destinou-se a chamar a atenção não apenas para a cultura cigana, mas também para a necessidade de apoios ao desenvolvimento de várias frentes, através de iniciativas como a criação de “prémios para jovens escritores”, sugere Bruno Gonçalves. Recorde-se que existe o Programa Escolhas (PE), integrado no Alto Comissariado para as Migrações, dirigido a jovens estudantes do ensino superior, provenientes das comunidades ciganas, com o objetivo central de evitar o abandono precoce deste ciclo de estudos.

Sublinhe-se também que a Amato Lusitano – Associação de Desenvolvimento, no âmbito do projeto RomaCOOLturas, apresenta um programa com emissão na Rádio Castelo Branco. A Voz Roma pretende desmistificar preconceitos e estereótipos acerca das comunidades ciganas através de testemunhos reais.

Como curiosidade, referimos alguns escritores de origem cigana: Federico García Lorca (Espanha – 1898/1936); Cecília Benevides de Carvalho Meireles (Brasil – 1901/1964), cigana do ramo Calon; lija Krasnici (Sérvia – 1952), é um dos poucos autores que escreve prosa em romani, elaborou, inclusive, um dicionário nesse idioma; Olga Pankova (Rússia – 1911/1983), autora do primeiro trabalho literário romani escrito por uma mulher.

Como nota final, explorem a Rádio Magia Cigana, portal de caracter lúdico.

Tudo o que voa é ave.

Desta janela aberta

A pena que se eleva é mais suave

E a folha que plana é mais liberta.

 

Nos seus braços azuis o céu aquece

Todo o alado movimento.

É no chão que arrefece

O que não pode andar no firmamento.

 

Outro levante, pois, ciganos!

Outra tenda sem pátria mais além!

Desumanos

São os sonhos, também…

(Ciganos, de Miguel Torga)

Não perca esta e outras novidades! Subscreva a nossa newsletter e receba as notícias mais importantes da semana, nacionais e internacionais, diretamente no seu email. Fique sempre informado!

Partilhe nas redes sociais:
Joaquim Correia
Joaquim Correia
“É com prazer que passo a colaborar no jornal Regiões, até porque percebo que o conceito de “regiões” tem aqui um sentido abrangente e não meramente nacional, incluÍndo o resto do mundo. Será nessa perspectiva que tentarei contar algumas histórias.” Estudou em Portugal e Angola, onde também prestou Serviço Militar. Viveu 11 anos em Macau, ponto de partida para conhecer o Oriente. Licenciatura em Direito, tendo praticado advocacia Pós-Graduação em Ciências Documentais, tendo lecionado na Universidade de Macau. É autor de diversos trabalhos ligados à investigação, particularmente no campo musical

Destaques

- Publicidade -

Artigos do autor