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Os Bons e os Justos

O maniqueísmo e egotismo políticos levam-no a classificar as pessoas em boas e más, considerando boas “as que se preocupam com ele”. Assim mesmo, sem rebuços. Na sessão de 23/02/2024 da Assembleia Municipal, afirmou: “Eu gosto de boas pessoas, não gosto de más pessoas porque não faz sentido haver más pessoas, para chatear a cabeça aos outros, para dificultar a vida aos outros… Para que é que são as más pessoas? É este o nosso papel, nós queremos criar, construir gente boa. Tenho dificuldade em lidar com gente má que aborda os assuntos com falsidade política e intelectual… Se todos se preocupassem um bocadinho comigo, esta vida política seria muito mais fácil!”.

O edil-mor de Abrantes e arredores referia-se, obviamente, aos que não pensam como ele e se “atrevem” a exercer o livre direito de opinião e expressão, opondo-se-lhe democraticamente (que chatice, a democracia!). Chegou mesmo a afirmar que essas vozes discordantes revelam “défice de oxigenação” (sessão de 21/06/2024 da AMA), aplicando-se-lhes a “rábula” (queria dizer “fábula”…) do “Burro da Relva Azul” (queria dizer “erva”…), em que o tigre é castigado pelo leão por dar ouvidos a um burro que diz que a “relva” é azul (sessão de 24/04/2025). Vai-se a ver… e até pode ser, sabiam?

Fiquei a pensar no significado real e profundo de “gente boa”, não podendo deixar de relacionar a expressão com outra mais conhecida – a de “pessoas de bem” – tão cara a um certo partido com gente tão boa que até insulta e ameaça, conduz em estado de embriaguez, rouba malas de viagem ou expõe e abusa de crianças. Uma breve pesquisa levou-me ao artigo intitulado “A fábula das ‘pessoas de bem’”, publicado pela Porto Business School – Insights da Universidade do Porto, de 27 de setembro de 2021, o qual dá conta do que a ciência comportamental apurou sobre esta matéria.

Afirma-se, aí, que a ideia de que existem “pessoas de bem” e, consequentemente, “pessoas de mal”, não só é falsa como produz efeitos práticos perversos e perigosos para a sociedade – porque a desonestidade é mais um problema de comportamento do que de carácter – ao reduzir o combate à corrupção a “uma disputa primitiva e ilusória entre duas equipas”. Este uso exclusivista e pouco empático das expressões “gente boa” ou “pessoas de bem” refere-se, portanto, àquelas – e só àquelas – que “pensam e agem como eu” ou “se parecem comigo”.

Do ponto de vista político e social, a ideia de “gente boa” ou de “pessoas de bem” dá uma sensação de autoconforto e pertença, ainda que ilusória, fazendo com que a transgressão das normas legais ou morais seja racionalizada e enquadrada como moralmente aceitável. Todavia, há uma diferença fundamental entre ser “bom” e ser “justo”, em que o “bom” é guiado por emoções e sentimentos – buscando agradar a todos e evitar críticas e conflitos – enquanto o “justo” se baseia na razão e na aplicação imparcial de princípios éticos, mesmo que isso implique tomar decisões difíceis, desagradáveis ou impopulares.

Ser “bom” significa, geralmente, “estar bem com Deus e com o Diabo” ou “viver na Paz do Senhor”, priorizando o bem-estar emocional dos outros, muitas vezes à custa dos seus próprios sentimentos ou convicções. Significa, também, ser complacente e tolerante, mesmo diante de situações que exigem firmeza, podendo levar à dependência mútua e ao bloqueio do desenvolvimento do outro, ao invés de promover o seu crescimento e autonomia. Ser “bom” pode ser mais fácil a curto prazo, mas mais difícil de sustentar a médio ou longo prazos, prejudicando o próprio e os outros.

Por seu lado, ser “justo” significa, em regra, agir com base em princípios éticos e morais, buscando o que é correto e imparcial, tomar decisões com base na razão, mesmo que isso possa causar conflito ou desconforto, enfrentar com firmeza situações difíceis, dar exemplos de justiça e reconhecer a importância de educar e dar oportunidades aos outros, para que aprendam com os seus próprios erros. Ser “justo” pode ser mais exigente e custoso, por exigir coragem para tomar decisões difíceis e lidar com as consequências, mas, a prazo, leva a resultados mais equilibrados e saudáveis.

Creio que se pode deduzir daqui que, no exercício de cargos políticos, mais do que ser “bom” ou “de bem” – ainda que evitando o sectarismo egoísta e egocêntrico – importa ser “justo”. Todavia, também o “justo” não é isento de enviesamentos percetivos – determinados por perspetivas legais e de equidade, virtude, fé ou harmonia – e por dilemas éticos e morais, que Albert Camus bem explora na sua obra para teatro “Os Justos”, na qual lembra que não há soluções fáceis ou definitivas para a injustiça e que a luta por um mundo melhor é um processo complexo e pleno de contradições.

Nesta peça, o autor questiona a legitimidade do uso da violência que aterroriza em nome de uma causa justa, confrontando a luta pela liberdade com o cometimento, em seu nome, de atos vis e cruéis, sendo os personagens apresentados como seres complexos, com as suas próprias motivações, dúvidas e arrependimentos. De igual modo, mas em perspetiva inversa, se poderia refletir sobre a Paz social e entre os povos, distinguindo entre soluções justas que preservam o direito, a soberania e a dignidade, e soluções injustas que põem termo aos conflitos impondo condições unilaterais e desequilibradas.

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José Nascimento
José Nascimento
Tem 68 anos e vive na aldeia de Vale de Zebrinho (Abrantes). Reformado do ensino superior, onde lecionou disciplinas de gestão e psicologia social, dedica o seu tempo à atividade cívica e autárquica. É, também, membro do núcleo executivo do CEHLA – Centro de Estudos de História Local de Abrantes (editor da Revista Zahara). Interessa-se pelas dinâmicas políticas e sociais locais e globais, designadamente pelos processos de participação e decisão democráticos.

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