Nos últimos dias, Portugal rendeu-se aos encantos de uma jovem e formosa princesa, de olhos muito azuis, claros, cabelo cor de oiro, solto, gesto elegante, cuidado, e sorriso franco e rasgado. Falo naturalmente da Princesa das Astúrias, herdeira presuntiva da coroa de Espanha, que foi recebida com a pompa e a circunstância devida protocolarmente a um chefe de Estado, pese embora a visita não tenha revestido esse carácter
Sua Alteza, a Princesa Leonor de Todos os Santos, foi recebida, em Belém, por Sua Excelência, o Sr. Presidente da República, onde teve direito a passadeira vermelha, guarda de honra, banda a tocar o hino, sendo ainda agraciada com a Grã-Cruz da Ordem de Cristo, por Marcelo Rebelo de Sousa, que não conseguiu iludir um certo ar de embevecimento no beija-mão real da princesa.
Que a visita da aristocrata despertou as maiores simpatias no nosso país, testemunha-o a imprensa à saciedade, em páginas de jornais e de revistas, em peças de telejornais e em opiniões de comentadores especialistas em assuntos de monarquia, convidados propositadamente para esse efeito. A tal ponto, dir-se-ia, que se a intenção da Princesa fosse conquistar, de novo, toda a faixa atlântica da Hispânia, para o seu ceptro, muitos lhe entregariam de boamente as chaves dos sete castelos do escudo de Portugal.
É certo que se trata da primeira visita oficial ao estrangeiro da futura rainha de Espanha, estando por isso envolta num simbolismo e significado a que não é certamente alheia a forte ligação da sua família a Portugal, país que acolheu no exílio o Conde de Barcelona e o seu filho, o rei D. Juan Carlos I, avô de Leonor de Borbon e Ortiz.
Vistas por este prisma as coisas, parece um gesto de simpatia e carinho o facto de o Rei D. Filipe VI ter escolhido Portugal como destino da primeira visita oficial da sua filha e futura rainha de Espanha.
Porém, as cores garridas com que o protocolo de Estado e a imprensa, sobretudo a cor-de rosa, pintaram a visita da Princesa, recebida com carinho e sem reparo, não conseguem ocultar os tons sombrios e nebulosos com que se procura esconder o desrespeito com que Espanha trata Portugal, na Questão de Olivença.
Como é consabido, Olivença é um território português, que Espanha anexou pela força e que, pelo arbítrio, se recusa a restituir a Portugal, ao arrepio dos tratados e do Direito Internacional. Na prática, trata-se de território português sob administração espanhola, mas ainda assim, e por ora, território nacional, convém recordar.
Mas o que confrange não é apenas o arbítrio de Espanha, e a sua sistemática violação do Direito, o que verdadeiramente arrepia é o ensurdecedor silêncio com que o assunto é tratado do lado de cá da fronteira, não só pelos responsáveis políticos e pelos governantes, mas, sobretudo, por aqueles que têm o dever de informar e formar a opinião pública.
Para além do mais, é preciso não esquecer que a Constituição da República, no seu artigo 5.º, consagra que Portugal abrange o território historicamente definido no continente europeu. Onde se inclui Olivença, claro está! E, sobretudo, é bom ter presente que, nos termos do mesmo artigo «O Estado não aliena qualquer parte do território português ou dos direitos de soberania que sobre ele exerce». Finalmente, diga-se que por definição e ainda nos termos da Constituição, «o Presidente da República representa a República Portuguesa, garante a independência nacional e a unidade do Estado». Tudo isso nós sabemos, e por isso nos podemos questionar sobre a razão do silêncio português a respeito de Olivença. Isto porque, com efeito, ainda que o assunto não tenha sido tema de conversa na visita da Princesa, por imperativo patriótico não devemos esquecer Olivença, sobretudo quando um soberano Espanhol (ou o seu presuntivo herdeiro) pisa o solo nacional.
Pedro Rego
Advogado e Historiador de Arte