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XÔ, MANADA!

Podia ser comportamento de rebanho, mas o ruído e a agressividade com que os seus membros frequentemente se expressam, aproxima-os mais de uma manada de búfalos selvagens do que de um rebanho de pacíficos carneiros. E também podia ser “mentalidade” em vez de “comportamento”, como alguns académicos propõem, mas continuo a preferir esta designação, pois é a irracionalidade (ou fraca mentalidade) da manada que está na base da sua existência.

A manada, entretanto, tecnologizou-se e pulou a cerca para as redes sociais. Temos, agora, uma manada em rede, atacando e defendendo-se coletivamente quando um dos seus dá o alerta, sinalizando o espécime supostamente perigoso. Esta é uma manada sem baias e ainda mais agressiva, pois o anonimato dá-lhe um sentimento de segurança e de proteção face a uma eventual responsabilização ou retaliação. Caro leitor, associa este comportamento de manada aos adeptos de algum partido ou ideologia política?

Há muito que o comportamento de grupo (ou de multidão) é estudado. Há hoje nos domínios da psicologia social e da sociologia humana – que não dispensa os contributos da etologia (estudo comparado do comportamento animal) – um sólido corpo teórico que permite compreender com grande rigor o fenómeno, traduzido na ação em bloco e mimética (por inconsciente contágio socioemocional ou deliberada e militante ação coletiva) de determinados indivíduos, face ao comportamento de outros relevantes (maiorias ou líderes de opinião).

Le Bon, Tarde e Freud foram alguns dos cientistas pioneiros no estudo e compreensão do comportamento dos grupos (ou multidões). O objeto voltou a ganhar relevância científica e interesse académico com a emergência das redes sociais e a difusão massiva de notícias falsas (‘fake news’), designadamente no domínio societal e da ação política, dividindo-se os especialistas e agentes políticos entre os que veem as redes sociais como ameaça (geralmente os incumbentes) ou como oportunidade (geralmente os opositores ou ‘challengers’).

Obviamente que as duas perspetivas são pertinentes e corretas (em abstrato), podendo qualquer delas deixar de o ser quando defendidas em circunstâncias inadequadas. Genericamente, dir-se-ia que as redes sociais constituem uma oportunidade quando usadas pelo Bem contra o Mal e uma ameaça quando usadas pelo Mal contra o Bem. O problema, todavia – e tal representa um desafio ético e político – reside na caraterização do que é o Bem e do que é o Mal, sobretudo quando divergem os valores humanos ou se enfrenta dilemas morais.

Os seres humanos, uns mais do que outros, são sensíveis à pressão de grupo, mas tal não anula a desejável autonomia e responsabilidade individual. O desejo de manter a

lealdade impede ou dificulta a atitude crítica e o dissenso, elementos que poderiam disromper o equilíbrio coletivo. O excesso de confiança e a arrogância emergem da crença inquestionável na competência e autoridade moral do grupo, levando muitos daqueles que prefeririam o silêncio, a manifestar-se ruidosa e agressivamente.

É desagradável ser vítima da manada, obviamente, mas é um orgulho poder comprovar – sem vã soberba, nem acéfalo “espírito do contra” – que se tem sentido crítico, pensamento próprio e livre-arbítrio, recusando a subserviência, o servilismo e a subjugação, sejam eles voluntários (sobretudo estes) ou impostos. É assim que reajo – umas vezes replicando, outras ignorando – quando a manada, cada vez mais composta por fantasmagóricos ‘bots’ e ‘trolls’, me ataca pelo democrático “crime” de respeitosamente discordar de um dos seus membros.

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José Nascimento
José Nascimento
Tem 68 anos e vive na aldeia de Vale de Zebrinho (Abrantes). Reformado do ensino superior, onde lecionou disciplinas de gestão e psicologia social, dedica o seu tempo à atividade cívica e autárquica. É, também, membro do núcleo executivo do CEHLA – Centro de Estudos de História Local de Abrantes (editor da Revista Zahara). Interessa-se pelas dinâmicas políticas e sociais locais e globais, designadamente pelos processos de participação e decisão democráticos.

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