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Aposte nas 30 moedas do Papa morto

O mundo sempre teve uma estranha propensão para o absurdo, mas há momentos em que a realidade ultrapassa os contos mais delirantes de Eça de Queirós. Imagine-se o dilema: um homem de branco, argentino de berço e jesuíta de feitio, caminha nos seus 87 anos enquanto, algures numa qualquer cave cheia de monitores luminosos, um grupo de apostadores ajusta as odds para o seu último suspiro. Sim, os oráculos da modernidade, esses templos de néon e ganância que são as casas de apostas, decidiram converter a sucessão papal num passatempo lucrativo. As casas e sites William Hill, Paddy Power e BetUS aceitam de sorriso aberto as suas 30 moedas.

Os dados estão lançados e os jogadores colocam as fichas sobre quem será o sucessor, enquanto outros, com menos pudor, fazem um all-in na próxima paragem cardiorrespiratória do Sumo Pontífice. Em tempos idos, Florentino Ariza esperaria meio século pela morte de um marido para conquistar o coração de Fermina Daza, mas hoje não há paciência para esperas românticas. A pressa de saber quem ocupará o trono de São Pedro é tanta que se tornou num negócio de probabilidades.

E quem diria que a Igreja, tão fustigada por crises financeiras, não teve a argúcia de criar uma plataforma oficial para este tipo de transacção? Bem que se podia ressuscitar o saudoso Banco Ambrosiano, aquela instituição de contabilidade criativa que, antes de implodir num mar de escândalos, bem soube gerir uns tostões para o Vaticano. Afinal, se há lotarias paroquiais e peditórios para velas, por que não criar as “raspadinhas da morte”?

Dir-se-ia que o pudor morreu e a moral se evaporou. Neste casino globalizado, cada um procura o seu jackpot, seja ele um aumento de cotas no próximo conclave ou a fortuna instantânea que um espasmo de má sorte alheia pode proporcionar. O Papa Francisco, conhecido pela sua humildade e preocupação social, talvez risse amargamente ao ver a sua própria morte transformada num número piscante no ecrã de apostas. “E se Deus quiser que eu viva até aos cem?”, poderia perguntar. “Azar o vosso!” responderiam os apostadores, ajustando os cálculos.

Os portugueses, herdeiros de Camões e do seu “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, parecem também mudar a dignidade por um troco fácil. Se Amália cantava “Tudo isto é triste, tudo isto é fado”, hoje dir-se-ia que tudo isto é um mercado. E há mercado para tudo: morte, sorte, azar e um toque de sacrilégio.

A esta altura, qualquer noção de respeito, humanismo ou decência está reduzida a cinzas, trocada pelo desejo de lucro instantâneo. Qual será o próximo passo? Um mercado de

futuros para velórios? Pacotes de “cash-out” para enterros adiados? A própria Igreja, ao longo dos séculos, teve os seus momentos de pragmatismo, vendendo indulgências com um sentido de negócio digno de qualquer corrector da Bolsa de Lisboa. Mas ao menos havia latim e incenso! Hoje, nem isso.

E no entanto, num golpe de ironia celestial, tudo pode mudar num instante. Imagine-se que, ao contrário de todas as previsões, Francisco entra numa década de vigor inesperado, sobrevivendo a apostadores e cardeais. As casas de apostas entram em colapso, obrigadas a pagar prêmios astronómicos a todos os que apostaram na sua longevidade. A inflação das apostas gera um terramoto financeiro que faz tremer a própria economia do jogo.

E quem lucra? A Igreja! Sim, porque não tardaria para que um astuto monsenhor investisse as esmolas de São Pedro na “aposta contrária” e, num movimento de génio especulativo, resgatasse os cofres do Vaticano. Num gesto de humor digno de D. João V, erigir-se-ia uma nova basílica financiada p’los pecados do mundo moderno.

No final, tal como Pessoa escrevia, “tudo vale a pena se a alma não é pequena”. E talvez a alma do mundo ainda tenha um resquício de decência, por mais que o mercado a tente vender ao desbarato. A ironia vence, o Papa sobrevive e a moralidade faz um regresso triunfal, ainda que, como sempre, com um ligeiro atraso.

Atirem-se probabilidades e recordem-se: afinal, a esta distância, deus nunca falhou.

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Joao Vasco Almeida
Joao Vasco Almeida
Jornalista 2554, autor de obras de ficção e humor, radialista, compositor, ‘blogger’,' vlogger' e produtor. Agricultor devido às sobreirinhas.

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