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Somos do tamanho das flores que contemplamos

Fernando Pessoa (sob o pseudónimo Alberto Caeiro) escreveu o belo poema “Da Minha Aldeia”, no qual diz que “sou do tamanho do que vejo e não do tamanho da minha altura” porque “a nossa única riqueza é ver”, tudo o mais deixa-nos pobres

Diz, também, que “da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo, por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer”, mas que “nas cidades a vida é mais pequena que aqui na minha casa no cimo deste outeiro”.

Assim é porque “na cidade as grandes casas fecham a vista à chave, escondem o horizonte, empurram o nosso olhar para longe de todo o céu, tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar”.

Refletindo sobre este poema, Dom José Tolentino Mendonça (Cardeal) escreveu que ele “nos abeira de uma verdade ao mesmo tempo óbvia e escondida: nós não medimos apenas a nossa altura, mas sim a altura do que vemos”.

E acrescenta que “o que nos dá estatura, o que confere dimensão à nossa vida não são os centímetros a mais ou a menos, mas aquilo que colocamos diante do nosso olhar, aquilo com que dialogamos em presença exterior ou internamente”.

Dom Tolentino questiona-nos: “Numa época que nos obriga a viver em vertigem e cada vez com menos tempo, […] sem disponibilidade para o gratuito, sem a valorização da contemplação, sem oportunidade para o assombro que escancara a vida ou para o deslumbre que é o seu deleite, que altura real podemos medir?”.

E sugere-nos uma resposta: “O utilitário passou a ser a regra de avaliação das nossas sociedades, mas precisamos também do inútil. Ao lado do pão precisaremos sempre de rosas. Ou melhor: em momentos-chave da nossa existência, se não forem as rosas a sustentar-nos, nem o pão nos servirá”.

Os homens não se medem aos palmos, nem aos anos que acumulam. Se faltam palmos, acrescenta-se a altura do banco ou das escadas; se faltam anos, acrescenta-se o conselho da experiência e da maturidade de quem a tenha e nos possa dá-lo.

Ver com olhos de ver é ter a capacidade de medir a altura real: selecionar o que mais interessa – a cidade e a aldeia, o pão e a flor –, prestar-lhe a maior atenção, compreendê-lo corretamente e saber usá-lo para projetar e antecipar o futuro. É isto que vejo, aqui da minha aldeia.

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José Nascimento
José Nascimento
Tem 68 anos e vive na aldeia de Vale de Zebrinho (Abrantes). Reformado do ensino superior, onde lecionou disciplinas de gestão e psicologia social, dedica o seu tempo à atividade cívica e autárquica. É, também, membro do núcleo executivo do CEHLA – Centro de Estudos de História Local de Abrantes (editor da Revista Zahara). Interessa-se pelas dinâmicas políticas e sociais locais e globais, designadamente pelos processos de participação e decisão democráticos.

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