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Ena, ena, 7 mil milhões!

O presidente da Câmara Municipal de Abrantes e candidato socialista às Autárquicas do próximo dia 12 de outubro, acabou de anunciar – a poucos dias do ato eleitoral – um investimento privado de 7,8 mil milhões de euros (!), num Data Center a construir na freguesia do Pego, no espaço onde já morreram à nascença vários projetos (o último conhecido foi o da canábis medicinal), incluindo um mega-investimento na produção de painéis solares – a RPP Solar, do famoso “empresário vermelho” Alexandre Alves – anunciado em 2009, também à beira de eleições autárquicas.

Para que se tenha uma ideia do que significa tão extraordinário montante, ele aproxima-se do investimento no novo Aeroporto de Lisboa ou da construção de 30 novos grandes Hospitais. Somados, todos os investimentos empresariais anteriormente feitos em Abrantes são “piners”. Isto não há fome que não dê em fartura! O projeto, anunciado como PIN (Potencial Interesse Nacional) – e que tanta falta faz (ou faria) a um concelho a definhar – foi levado a Reunião de Câmara no passado dia 2 e obteve a aprovação unânime da isenção de encargos fiscais municipais, na ordem dos 16,2 milhões de euros (¼ do orçamento municipal!).

Estranhamente, não foi feita nenhuma pergunta nem declaração de voto pelos dois vereadores da oposição, supostamente porque se sentiram bem ou suficientemente informados sobre os contornos do projeto. Só que não. Em declarações posteriores à imprensa local, um dos vereadores manifestou “reticências e dúvidas sobre a concretização” e o outro “ceticismo quanto ao perfil da empresa e à viabilidade do projeto”, acabando por aprovar os benefícios fiscais “para não criar bloqueios ao desenvolvimento do concelho, em véspera de eleições”.

Uma vez que a sessão do executivo municipal foi pública, os cidadãos tomaram imediato conhecimento da notícia, apressando-se também a imprensa local a difundi-la sem sentido crítico ou aprofundamento. Até que começaram a surgir reações nas redes sociais, muitas delas de dúvida, descrença e desconfiança. Acenderam-se, então, luzes vermelhas, pesquisou-se informação disponível ‘online’ e as questões começaram a ser colocadas, designadamente sobre quem seria o investidor e quais seriam os contornos do investimento.

A empresa promotora do projeto e do investimento só tem um ano de existência?! É do ramo imobiliário?! Mudou de nome, forma de sociedade (para sociedade por quotas) e ramo de atividade (de imobiliário para ‘data center’) há escassas duas ou três semanas? O seu capital social é de apenas 5 mil euros (1,4 milhões de vezes inferior ao valor do investimento)?! Quantos trabalhadores tem? Quem são os gerentes da empresa e qual a sua idoneidade empresarial? Que credibilidade têm os eventuais parceiros imobiliários, tecnológicos e financeiros? Apresentaram garantias escritas, memorandos de entendimento ou cartas de intenção ou conforto?

Embora as respostas a estas questões ainda estejam por dar, ficou-se a saber, entretanto, pela boca do próprio presidente da Câmara, que “o projeto e intenção de investimento foi apresentado ao município há mais de um ano e tem um suporte financeiro internacional, sendo o início de um processo que vai demorar o seu tempo a concretizar-se [2031] e que não está nas mãos do município”. Mais acrescentou que o projeto “é semelhante àquilo que tem acontecido em Sines, que está a transformar e a desenvolver economicamente toda a região e o país”.

Sem provar com qualquer peça de evidência, o autarca revelou que este é “um primeiro de vários projetos que estão em fase de licenciamento”, sendo o ‘timing’ da apresentação do atual projeto de Data Center “o tempo da empresa e não de qualquer conveniência política”. As contradições nas afirmações são óbvias, sendo também estranha a comparação com o projeto de Sines, um caso de polícia – a mediática “Operação Influencer” – que levou à demissão do anterior primeiro-ministro António Costa e à responsabilização de personalidades influentes afetas ao Partido Socialista.

Permanecem, assim, mais dúvidas do que certezas. Além das referidas, está por esclarecer se se trata de uma empresa investidora – e de que tipo (especulativo?) – ou “facilitadora” de negócios (lobbying?) Se o projeto é, de facto, PIN (parece que o governa ainda nada disse, apesar do elevadíssimo valor do investimento), quem reconheceu o seu potencial e que gestor de processo lhe foi atribuído? Qual a origem do dinheiro, envolve operações ‘offshore’? O terreno da antiga RPP Solar foi efetivamente adquirido ou existe apenas um contrato-promessa? Para quando o estudo de impacte ambiental?

O executivo municipal de Abrantes não foi, até agora, suficientemente transparente (como é sua obrigação), limitando-se a produzir vácuas – e algo pueris e populistas – declarações políticas, servindo uma sopa da pedra requentada que já havia cozinhado em anteriores eleições. Importa que toda a sociedade, cidadania e forças políticas abrantinas exijam total e absoluto esclarecimento sobre os contornos deste projeto, antes das eleições de 12 de outubro. Só depois de tudo muito bem esclarecido se poderá considerar que o ato eleitoral – no que a esta matéria diz respeito – foi limpo, isento e justo. Como diz o outro, “sejamos sérios”.

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José Nascimento
José Nascimento
Tem 68 anos e vive na aldeia de Vale de Zebrinho (Abrantes). Reformado do ensino superior, onde lecionou disciplinas de gestão e psicologia social, dedica o seu tempo à atividade cívica e autárquica. É, também, membro do núcleo executivo do CEHLA – Centro de Estudos de História Local de Abrantes (editor da Revista Zahara). Interessa-se pelas dinâmicas políticas e sociais locais e globais, designadamente pelos processos de participação e decisão democráticos.

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