Contra a Rússia, Marchar, Marchar. À medida que nos aproximamos do segundo aniversário da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, multiplicam-se os artigos de opinião e análise tentando fazer o ponto da situação

Isto é perfeitamente compreensível. O que espanta, entretanto, é que, pelo menos até agora, as opiniões expressas entre nós nos media convirjam num só sentido: a necessidade de continuar a sancionar a Rússia e armar a Ucrânia com armas sempre mais potentes e de maior alcance.
O DN, este fim de semana, é paradigmático – publica, logo no mesmo dia (!), duas colunas assim intituladas:
“A guerra da Ucrânia em 2024 – resistir e (re)construir (rapidamente) as condições para a derrota da Rússia”, da autoria do tenente-general Marco Serronha, do Europe’s War Institute; e “Ano Novo: Fazer sair a Rússia da Ucrânia sem mais demoras” (sic) da autoria de Victor Ângelo, um conselheiro em segurança internacional, que sempre evoca a sua condição de ex-secretário-geral-adjunto da ONU.
Que os generais instalados nos institutos e órgãos oficiais continuem a alimentar a esperança numa derrota da Rússia e a instigar a opinião pública a embarcar num novo ciclo do confronto, com mais financiamento e envio de mais e mais poderosas armas a Kíev, ainda se compreende – essa é, afinal, a sua função e para isso são pagos;
Já de um homem que foi vice-secretário/geral das Nações Unidas seria de esperar maior contenção e uma retórica menos inflamada. Afinal de contas, a ONU tem por missão tentar sempre conciliar e nunca apelar à guerra ou à sua continuação.
Em qualquer caso, nestes artigos o que sempre falta é uma consideração ponderada dos antecedentes históricos, das circunstâncias concretas que levaram à guerra, das realidades sociais e políticas muito diferenciadas no terreno, consoante se trate do ocidente ou do leste da Ucrânia e por aí fora.
Tudo neste textos se limita à repetição do mantra da invasão russa e do direito dos Estados a fazerem soberanamente as suas escolhas – um enquadramento que logo à partida nos encaminha para a condenação sem apelo nem agravo de Moscovo, que exclui ab initio a possibilidade de que a Rússia possa ter interesses legítimos a ter em conta.
Apesar do manifesto falhanço das sanções – a Rússia virou-se a tempo para a China e deu a volta ao boicote, esperando-se um crescimento do PIB da ordem dos 4% em 2023, o que, a confirmar-se, deverá colocar o país em quinto lugar no ranking mundial em termos de Paridades do Poder de Compra (ultrapassando a própria Alemanha, hoje em crise) ; apesar do falhanço trágico da contra-ofensiva ucraniana e até de alguns avanços russos no terreno, ainda que à custa de elevadas perdas, apesar de tudo isso, os nossos analistas continuam, uma e outra vez, a propor-nos a mesma receita: mais sanções, mais financiamento para sustentar o Estado ucraniano em perda, mais armas, mais guerra.
Agora que os americanos começaram a virar-se para outros cenários – Médio Oriente e China – pressionando os europeus para cobrirem as despesas da guerra na Ucrânia – tarefa já assumida pelo chanceler alemão Scholtz (que hoje vale apenas 19% do eleitorado), logo os nossos analistas correm atrás, assinando por baixo. Como se esse financiamento não fosse para comprar mais armas ao complexo militar americano, não tornasse a Europa mais dependente e não tivesse dramáticas consequências em termos sociais.
Mas isso nem sequer é ponderado nos artigos em questão, como se fosse uma obrigação europeia que não pode sequer ser questionada.
De paz, nem se fala – virou praticamente tabu.
The last, but not the least, estes autores, mais propagandistas do que propriamente analistas, esquecem que – goste-se ou não – a Rússia continua a ser uma potência nuclear. E se for colocada em situação de perda grave, há o sério risco de chegarmos a um conflito nuclear de consequências catastróficas sem precedentes para a humanidade e para o planeta. Sobre isso , também nada dizem – zero!
Não deixa, por outro lado, de ser curioso notar que na precisa semana em que media tão importantes como o norteamericano Wall Street Journal e o inglês Telegraph admitiram a possibilidade de uma viragem – hipótese secundada pelo ministro da Defesa de Itália, que disse mesmo ser tempo de voltar ao diálogo para se reconstruírem as relações com a Rússia – não deixa de ser curioso, que os comentaristas nacionais de serviço ignorem tudo isso e insistam em mais do mesmo. É uma velha tradição portuguesa – sempre mais papistas do que o Papa! Até quando?