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FlorestGal acusada de despejar lamas não tratadas numa propriedade em Castelo Branco

A FlorestGal, empresa pública de gestão e desenvolvimento florestal, é acusada de estar a despejar lamas não tratadas numa propriedade que explora no concelho de Castelo Branco. O presidente desta empresa pública, José de Jesus Gaspar, desmente as acusações, revelando que “está em curso uma operação de Valorização Agrícola de Lamas de ETAR”. Mas, alguns técnicos do sector alertam para os impactos ambientais, designadamente em termos da rede freática e de poluição do ar, que este despejo de lamas pode causar

FlorestGal acusada de despejar lamas não tratadas numa propriedade em Castelo Branco
Foto:  ESCOLA SUPERIOR AGRÁRIA DE COIMBRA – O presidente da FlorestGal, José de Jesus Gaspar

Numa propriedade da FlorestGal, localizada no concelho de Castelo Branco, com uma área de 1400 hectares, estão a ser utilizadas lamas não tratadas, provenientes de uma ETAR, no âmbito de um projeto de reflorestação com espécies autóctones num terreno onde se encontravam instalados eucaliptos, que estão a ser substituídos por Pinheiro Manso, Azinheira e Sobreiro

Estas acusações são formalmente desmentidas pelo presidente desta empresa pública, José de Jesus Gaspar, que afiança que “está em curso uma operação de Valorização Agrícola de Lamas de ETAR no âmbito de um projeto de reflorestação com espécies autóctones num terreno onde se encontravam instalados Eucaliptos”.

Segundo o presidente do Conselho de Administração da FlorestGal, esta “operação é feita ao abrigo do estipulado no Decreto-Lei nº 276/2009 de 2 de outubro, cumprindo todos os procedimentos legais, incluindo a demonstração das características de qualidade das Lamas de ETAR e dos solos, determinadas através de análises efetuadas por laboratórios acreditados. Neste âmbito, são igualmente cumpridos os requisitos em termos de proteção dos aquíferos superficiais e subterrâneos, também através de um programa de caracterização analítica por laboratório certificado”.

Alguns técnicos de compostagem do distrito de Castelo Branco, confirmaram ao ORegiões que, tal como exposto na Diretiva 86/278/CEE, o artigo 6.º prevê: “As lamas serão tratadas antes de serem utilizadas na agricultura. Todavia, os Estados-membros podem autorizar nas condições que estabelecerem a utilização das lamas não tratadas, se elas forem injetadas ou enterradas no solo;”. Este tratamento está indicado no artigo 2.º como “As lamas tratadas por via biológica, química ou térmica, por armazenagem a longo prazo ou por qualquer outro método adequado, de modo a reduzir, significativamente, o seu poder de fermentação e os inconvenientes sanitários da sua utilização”. Nesta situação não está a ser feita injeção ou enterramento de lamas, mas sim um espalhamento na camada arável dos terrenos. Considerando esta informação, assume-se que deverá existir um tratamento, como: incineração ou tratamento térmico, estabilização biológica, compostagem, digestão anaeróbica ou fermentação”.

Regime de utilização de lamas

Todavia, como afiançam as nossas fontes, “em momento algum o Decreto-Lei nº 276/2009 de 2 de outubro menciona que a aplicação de lamas deve ser feita apenas com lamas tratadas”, porque, conforme explicam o artigo 2.º indica que “o presente decreto-lei se aplica à utilização, em solos agrícolas, de lamas de depuração provenientes de estações de tratamento de águas residuais domésticas, urbanas, de atividades agro -pecuárias, de fossas sépticas ou outras de composição similar, adiante designadas por lamas.”

“Mas sendo que este DL “(…) estabelece o regime de utilização de lamas de depuração em solos agrícolas, transpondo para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 86/278/CEE, do Conselho, de 12 de Junho, (…) promovendo a sua correta utilização.” como está exposto no artigo 1.º, é importante considerar a redação a Diretiva mencionada.

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Ao que a FlorestGal responde, reafirmando que a realização da operação de Valorização Agrícola de Lamas de ETAR, devidamente estabilizadas, no terreno florestal em causa, está autorizada pela Direção Regional de Agricultura e Pescas Centro (DRAPCentro) no âmbito do Plano de Gestão de Lamas aprovado após emissão de pareceres vinculativos pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDR) e Administração Regional Hidrográfica do Tejo e Oeste (ARH).

No entanto, algumas questões se levantam designadamente sobre o processo de estabilização aplicado às lamas (Alcalina, compostagem, digestão anaeróbia, digestão aeróbia). Portanto, segundo as nossas fontes, pode-se concluir que as lamas não foram tratadas.

No projeto a FlorestGal refere que “Utilização de Matérias fertilizantes produzidas a partir de Biomateriais provenientes do setor urbano da água e do setor agroflorestal como corretivo orgânico e fonte de nutrientes para o solo e árvores”. Por isso, a maioria dos técnicos contactados pelo ORegiões interrogam-se: “Então está a ser realizada a aplicação de lamas ou matérias fertilizantes? Produziram uma matéria fertilizante com lamas e biomassa? Qual o número do registo na DGAE? Porque lamas e matérias fertilizantes não são a mesma coisa…”

Apoio da Escola Superior Agrária

Do ponto de vista da FlorestGal, que realça que o projeto tem o acompanhamento e apoio técnico-científico da Escola Superior Agrária de Coimbra, a operação de Valorização Agrícola de Lamas é “uma iniciativa conjunta da FlorestGal, SA, AdP VALOR, SA e Águas do Vale do Tejo, SA, no âmbito do projeto “Flo(RES)ta – Floresta resiliente e circular” apoiado pelo programa COMPETE 2020 com o objetivo do “Apoio à Transição Climática – Intervenções de resiliência dos territórios face ao risco/combate à desertificação através da rearborização e de ações que promovam o aumento da fixação de carbono e de nutrientes no solo”.

Sublinhando que estas são empresas de referência do setor urbano da água e do setor agroflorestal, a empresa publica salienta que os solos são preparados mediante a incorporação de biofertilizantes obtidos a partir de lamas de ETAR resultantes, por um lado, do processo de tratamento de águas residuais urbanas e, por outro, do próprio processo de preparação dos terrenos, nomeadamente através do aproveitamento de elementos herbáceos e lenhosos dos eucaliptos removidos, numa lógica de circularidade.

No entanto, alguns detractores lembram que “os biofertilizantes são principalmente produtos prontos para uso que contêm microrganismos importantes do ponto de vista agrícola em estado viável. Por outras palavras, um biofertilizante é uma forma modernizada de fertilizante orgânico que contém microrganismos benéficos”, salientando que se está a tentar “lamas com biofertilizantes”.

Impactos ambientais

Sobre os impactos nos solos e na rede freática, o administrador José de Jesus Gaspar salienta: “atendendo às suas caraterísticas físico-químicas as lamas de ETAR são um biofertilizante por excelência para o melhoramento e regeneração de solos florestais e agrícolas, em especial, degradados por fogos ou pela erosão, colmatando o défice de matéria orgânica e de nutrientes

do solo e, simultaneamente, potenciando o aumento da capacidade de retenção de água e reduzindo a erosão do solo e mitigando, ao mesmo tempo, os efeitos das alterações climáticas.

Mas as nossas fontes defendem que “a aplicação de lamas de ETAR diretamente no solo podem apresentar vantagens, mas as desvantagens devem ser consideradas, designadamente a variedade de substâncias nocivas presentes na sua composição, como compostos orgânicos, microrganismos patogénicos e metais pesados, por ausência de soluções de tratamento adequadas; e os impactes indiretos da sua aplicação, que passam por maus cheiros, atração de vetores, sobrecarga do solo e poluição difusa da água (superficial e subterrânea).

As nossas fontes referem ainda que existe um grande potencial de poluição do ar, através dos cheiros resultantes da aplicação das lamas, que apesar de não constituírem uma ameaça nem para o ambiente nem para a saúde pública, são extremamente incómodos. Um adequado processo de estabilização das lamas permitiria a diminuição significativa estes odores desagradáveis.

Todavia, a FlorestGal defende-se lembrando que “toda esta operação se desenvolve no estrito cumprimento do Plano de Gestão de Lamas aprovado, em particular respeitando os afastamentos mínimos das linhas de água na aplicação deste biofertilizante, comprovando-se a proteção dos aquíferos superficiais e subterrâneos pelo programa analítico estabelecido e aprovado pela ARH”.

Portugal não valoriza lamas

Contrariamente a outros países da União Europeia, Portugal não valoriza de modo substancial as suas lamas na agricultura, sendo os dados oficiais bem demonstrativos desta realidade, onde em território nacional menos de 10% das lamas são valorizadas na agricultura, comparativamente a outros estados-membros.

De referir ainda que a aplicação de lamas de ETAR em terrenos agrícolas e florestais é uma prática muito disseminada em vários países europeus, nomeadamente como corretivo orgânico e fonte de nutrientes para o solo e árvores. Portugal tem enormes carências de matéria orgânica nos solos e, atualmente, apresenta das mais baixas de utilização europeias.

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Alfredo Miranda
Alfredo Miranda
Jornalista desde 1978, privilegiando ao longo da sua vida o jornalismo de investigação. Tendo Colaborado em diferentes órgãos de Comunicação Social portugueses e também no jornal cabo-verdiano Voz Di Povo.

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