O antigo primeiro-ministro José Sócrates continua a insistir que é por motivos políticos que está a ser “vítima” de uma “monstruosa injustiça” e, por isso, apresentou uma queixa crime contra o Ministério Público (MP) e contra a Caixa Geral de Depósitos (CGD), por “denúncia caluniosa” de eventuais transferências mensais de 12.500 euros.
Tudo começou quando a Caixa Geral de Depósitos alertou o Ministério Público sobre transferências mensais de 12.500 euros recebidas por José Sócrates, que considerou suspeitas devido ao seu perfil de risco enquanto antiga pessoa politicamente exposta. Contudo, a Procuradoria Geral da República informa agora que se entendeu que os elementos disponíveis não permitem “formular uma suspeita concreta de crime”, pelo que não foi instaurado um inquérito.
Segundo o alerta da Caixa Geral de Depósitos, o ex-governante terá recebido, ao longo de mais de um ano, uma transferência mensal de 12.500 euros, pago por uma empresa de um português sediada em Espanha que, entretanto, faliu.
Tal como na Operação Marquês, o alerta chegou ao Ministério Público vindo da Caixa Geral de Depósitos, onde José Sócrates tem conta bancária há anos.
Sendo um ex-primeiro-ministro, Sócrates é considerado um PEP – pessoa politicamente exposta – em relação a quem as instituições financeiras têm por lei especiais deveres de comunicação, no âmbito das medidas de combate ao branqueamento de capitais.
Curiosamente, este alerta surge na altura em que a defesa de Paulo Lalanda e Castro, antigo administrador da Octapharma e ex-patrão de José Sócrates, alega que crimes de corrupção já estão prescritos. O antigo patrão de Sócrates é um dos principais arguidos no processo “O Negativo”, conhecido por “Máfia do Sangue”.
A SIC noticiou, entretanto, que o ex-primeiro-ministro já havia sido investigado por um contrato de consultoria com a Octapharma, através do qual recebia precisamente o mesmo valor mensal, tendo o MP defendido na sua acusação que se tratava de um esquema de lavagem de dinheiro.
Segundo algumas fontes, a Procuradoria-Geral da República (PGR) teve que vir a terreiro explicar que não se trata de “perseguição política”. E, por isso, na sexta-feira, esclareceu que o Ministério Público (MP) “recebeu uma comunicação” relativa a transferências para a conta bancária do ex-primeiro ministro José Sócrates, mas, sem “suspeita concreta de crime, não foi instaurado inquérito”.
“O Ministério Público do DCIAP (Departamento Central de Investigação e Ação Penal) recebeu uma comunicação de operação bancária nos termos da Lei de Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais. Não permitindo os elementos disponíveis formular uma suspeita concreta de crime, não foi instaurado inquérito”, adiantou esta sexta-feira a PGR à Lusa.
As transferências bancárias, de 12.500 euros mensais, foram noticiadas pela SIC, na quinta-feira, e seriam resultantes de um contrato de trabalho, de prestação de serviços de consultoria, a uma empresa propriedade do empresário português Adélio Machado, a ETZ Global Telecom, sediada no Luxemburgo, que, segundo a SIC, não tem atividade conhecida.
Ainda de acordo com a estação de televisão, o pagamento ao ex-primeiro-ministro seria feito, não pela empresa com a qual assinou contrato, mas por outra, também detida por Adélio Machado, mas com sede em Espanha, a AMATECH CONSULTING, através da qual o empresário de Famalicão comprou duas empresas de tecnologia em Bilbao.
Queixa contra desconhecidos
Entretanto, também na sexta feira, José Sócrates enviou uma carta à PGR, dirigida à Procuradora-Geral, Lucília Gago, através da qual apresenta “queixa formal” contra desconhecidos que, “no MP, divulgaram junto do jornalista” o seu contrato, assim como a informação da existência de uma investigação.
“Quero também apresentar queixa formal contra os responsáveis do banco Caixa Geral de Depósitos por denúncia caluniosa. Dei conhecimento ao banco de todas as informações pertinentes sobre o contrato e já não sou ‘pessoa politicamente exposta’, na medida em que deixei de exercer funções públicas há cerca de doze anos. Assim sendo, tenho todas as razões para suspeitar que a atuação do banco foi politicamente motivada”, afirma Sócrates na carta. “Requeiro, portanto, Senhora Procuradora, a abertura do competente inquérito criminal”, acrescenta o ex-primeiro-ministro.
Perante o noticiado, Sócrates faz várias acusações na carta datada de 23 de fevereiro. “O Ministério Público parece ter perdido qualquer sentido de decência”, refere o antigo governante. “Desta vez, decidiram divulgar na televisão SIC uma suposta investigação sobre o meu contrato de trabalho com uma empresa internacional. Pouco importa que não haja suspeita nem fundamento para fazer qualquer averiguação”, pode ler-se na missiva.
“A razão de investigação sou eu – trata-se de perseguir um alvo, não de investigar um crime. Atacar-me desta forma, e atacar todos os que comigo se relacionam socialmente, é uma covardia e uma violência que há muito conheço do processo Marquês. Estes métodos, Senhora Procuradora, são repugnantes”, declarou o antigo primeiro-ministro.
“Bem sei que as autoridades penais parecem considerar o crime de violação de segredo de justiça como monopólio de Estado. Um crime institucional, por assim dizer. Mas acontece que ainda é crime. E que é usado contra as pessoas que o Ministério Público considera suas inimigas”, acrescenta, caracterizando “estes métodos como vergonhosos”.
Na resposta enviada esta sexta-feira à Lusa, a PGR confirmou a receção da carta e adiantou que “atento o seu respetivo teor, a mesma será remetida ao DIAP de Lisboa para análise e eventual instauração de inquérito”.