Faleceu a autora, cidadã lutadora e mulher de armas Maria Teresa Horta. Ontem, pela manhã. Foi a voz mais audível sobre os direitos de igualdade entre homens e mulheres e escreveu, a três, com Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa, as ‘Novas Cartas Portuguesas’, um verdadeiro alerta sobre a condição nojenta e inimaginável sobre o Estado Novo e a condição feminina.
O livro, ainda hoje alijado dos currículos escolares, onde devia ser obrigatório, punha os pontos nos “ís” ao descalabro que Salazar e Marcello devotaram às mulheres. No fundo, fundo, fundo do pensamento proto-fascista desse tempo, as mulheres ou eram umas “putéfias” ou um ser “menor”. Ambos os casos, abaixo de qualquer qualificação. Abrir conta bancária? Não, tinham de pedir ao marido. Viajar? Tinham de pedir ao marido. Enfermeiras? Tinham de ser solteiras, assim como as Secretárias – dava jeito ao patrão o assédio sexual e a chantagem sobre solteironas de 32 anos, que obrigavam a ir para a cama com esses besuntas halopeciados e fartos de barriga, que nem a pilinha lhes chegava em tamanho para a penetração.
Maria Teresa Horta nunca se calou, até a morte, ontem a tentar calar. Mas as suas obras, entrevistas, artigos, opinião e presença na sociedade atrasada portuguesa foi sempre uma necessidade de serenidade, lógica, bom-senso, pensamento profundo e qualidade. Hoje, por causa dela, por causa das Três Marias, como se chamava carinhosamente às autoras da obra citada, a luta pela igualdade entre os géneros persiste. Suas herdeiras, diria, são Helena Roseta e Heloísa Apolónia. Não são as senhoras descamisadas e paradoxais como a filha do Professor Moreira ou a Raquel da História. Essas apenas lançam gritos ao vento. Acrescento a senhora Canse-o, novelista do DN e antiga ceguinha de Sócrates, o de Trás-os-Montes, depois primeiro-ministro. Estas não sabem do que falam, o que dizem, e trazem o feminismo na boca machista que têm. No instagram machista que têm. Nas parvoíces que declaram ao mundo, como verdades absolutas. Defender o XX não é um exercício de patacoadas e sapateado. De discursos exaltados nas assembleias nem nas colunas de defuntos jornais. Defender a igualdade é, tão só, fazer tudo para acabar com a desigualdade. Se eu me mostrar de biquíni em 500 fotos no Instagram (Deus vos proteja de tal coisa), não estou a afirmar o machismo progressita. Estou só a mostrar um corpo de 50 anos, pêlos como o Tony Ramos, a expor-me ao ridículo – coisa que meus amigos nunca deixaram passar incólume.
Assim, a perda da vos e escrita de Maria Teresa Horta, uma pessoa notável, notória e, por pouco, de abencerragem da defesa da igualdade de género, é uma perda enorme. Um gigantesco oco no nosso peito. Uma perfídia partida do tempo e do corpo, a quem merecia ter mais cem anos de pensamento e conclusão.
Por tudo isto, pelo que Maria Teresa Horta nos era, pelo que fez e deixa feito, sobreviverá a obra ao corpo e, enquanto vivermos, será sempre luz guia de faro, que a cada onze segundo brilha sobre nós e nos ensina.
Por tal, amanhã falaremos de Tozé Seguro. Seguro.